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Guia Completo

Abortamento: Um Guia Completo sobre Tipos, Diagnóstico e Condutas

Por ResumeAi Concursos
Tipos de abortamento: estrutura uterina comprometida com sinais de incompleto, retido e infectado.

A perda gestacional é uma experiência delicada e, infelizmente, comum, envolta em dúvidas e ansiedade. Compreender o abortamento – suas causas, os diferentes tipos, como é diagnosticado e quais as condutas médicas disponíveis – é fundamental não apenas para profissionais de saúde, mas também para pacientes e seus familiares. Este guia completo foi elaborado com o rigor científico e a clareza que o tema exige, visando desmistificar conceitos, apresentar informações atualizadas e capacitar você a navegar por este assunto com conhecimento e segurança, promovendo um diálogo mais informado e um cuidado mais humanizado.

Entendendo o Abortamento: Definições, Classificações e Formas Clínicas

O termo abortamento refere-se à interrupção da gestação antes que o feto atinja a viabilidade, ou seja, a capacidade de sobreviver fora do útero. Compreender suas definições, classificações e as diversas formas como pode se manifestar clinicamente é fundamental para o correto diagnóstico e manejo.

O que é Abortamento? Definições Médicas Essenciais

A definição de abortamento pode variar ligeiramente, mas critérios centrais são compartilhados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define abortamento como a interrupção da gestação ocorrida antes de 20 semanas completas de idade gestacional (contadas a partir do primeiro dia da última menstruação) ou com um feto pesando menos de 500 gramas, caso a idade gestacional seja desconhecida. Outras referências, como a de Rezende, consideram o limite de até a 22ª semana de gestação ou peso fetal inferior a 500g.

No Brasil, a Portaria nº 72/2010 do Ministério da Saúde define aborto como a morte de um produto da concepção antes da expulsão ou extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez, quando este pesa menos de 500 gramas, ou tem idade gestacional inferior a 22 semanas, ou apresenta um comprimento corporal (vértice-calcâneo) menor que 25 cm. É importante notar que, para configurar aborto segundo alguns critérios, todos os parâmetros (idade gestacional, peso e estatura) devem ser atendidos simultaneamente.

Tecnicamente, abortamento refere-se ao processo de interrupção da gravidez, enquanto aborto designa o produto da concepção que foi eliminado. No contexto da sigla "A" em antecedentes obstétricos (GPA), ela inclui todas as gestações que terminaram antes de 20 semanas, abrangendo abortamentos espontâneos, induzidos, gestações ectópicas e doença trofoblástica gestacional.

Classificações Gerais do Abortamento

O abortamento pode ser classificado de diversas formas. Quanto à ocorrência, pode ser:

  • Espontâneo: Quando ocorre naturalmente, sem intervenção externa.
  • Induzido (ou Provocado): Quando a interrupção é resultado de uma intervenção médica ou de outra natureza.

Outra classificação importante é o abortamento habitual ou recorrente. Existem duas definições principais:

  1. Clássica: Ocorrência de três ou mais perdas gestacionais espontâneas e consecutivas antes de 20 semanas.
  2. Moderna: Presença de duas ou mais perdas gestacionais documentadas por ultrassonografia ou exame histopatológico.

Formas Clínicas do Abortamento Espontâneo

O abortamento espontâneo pode se apresentar clinicamente de maneiras distintas, cada uma com características específicas que orientam o diagnóstico e a conduta. A avaliação geralmente envolve a história clínica da paciente, o exame físico (especialmente o toque vaginal para avaliar o colo uterino) e a ultrassonografia transvaginal. As principais formas clínicas, que serão detalhadas adiante, incluem:

  • Ameaça de Abortamento (ou Abortamento Evitável)
  • Abortamento Inevitável (ou Em Curso)
  • Abortamento Completo
  • Abortamento Incompleto
  • Abortamento Retido
  • Abortamento Infectado

O Papel Crucial da Idade Gestacional

A idade gestacional é um fator determinante na caracterização do abortamento. Como mencionado, a maioria das definições estabelece um limite de 20 a 22 semanas. Perdas gestacionais que ocorrem após esse período são classificadas de outra forma, como óbito fetal. A avaliação precisa da idade gestacional, seja pela data da última menstruação (DUM) ou por ultrassonografia precoce, é essencial para o diagnóstico e para a tomada de decisões clínicas.

Distinguindo o Abortamento de Outras Condições

É vital diferenciar o abortamento de outras condições que podem cursar com sangramento na gestação inicial ou perda gestacional, como:

  • Gestação Ectópica: Implantação do embrião fora da cavidade uterina.
  • Doença Trofoblástica Gestacional: Proliferação anormal do tecido trofoblástico.
  • Descolamento Prematuro de Placenta (DPP): Ocorre tipicamente na segunda metade da gestação.
  • Placenta Prévia: Também se manifesta mais tardiamente com sangramento.

Além disso, há distinções legais importantes. Embora o conceito médico de aborto não diferencie se o feto nasceu vivo ou morto, a emissão da Declaração de Óbito (DO) é obrigatória para natimortos (geralmente definidos por critérios de idade gestacional e peso superiores aos do abortamento), mas não para abortos.

Principais Tipos de Abortamento Espontâneo: Sinais e Características

Compreender as diferentes formas como um abortamento espontâneo pode se apresentar é fundamental para o correto diagnóstico e acolhimento da paciente. Cada tipo possui características clínicas, sinais e sintomas específicos que auxiliam na sua identificação.

1. Ameaça de Abortamento

A ameaça de abortamento (ou abortamento evitável) é uma situação onde a gestação ainda é considerada viável, mas existem sinais de alerta.

  • Sinais e Sintomas:
    • Sangramento vaginal, geralmente de pequena a moderada intensidade, podendo ser vermelho vivo ou escurecido ("borra de café").
    • Cólicas abdominais leves ou ausentes.
    • Os sintomas típicos da gravidez, como náuseas, geralmente persistem.
  • Características Clínicas:
    • Ao exame ginecológico, o colo uterino encontra-se fechado (impérvio).
    • O volume uterino é compatível com a idade gestacional.
    • A ultrassonografia é crucial: confirma a gestação tópica e demonstra a presença de batimentos cardíacos embrionários/fetais (BCE/BCF).
  • Aspectos Diferenciais: É importante diferenciar da gestação ectópica e de um abortamento retido inicial.
  • Observação sobre Conduta: A conduta principal envolve a avaliação da vitalidade fetal e o acompanhamento, pois não existe tratamento específico para interromper o sangramento na ameaça de abortamento que tenha benefício comprovado.

2. Abortamento Inevitável (ou em Curso/Evolução)

No abortamento inevitável, o processo de perda gestacional já se iniciou e não pode ser revertido. Os termos "abortamento em curso" ou "em evolução" são frequentemente utilizados como sinônimos.

  • Sinais e Sintomas:
    • Sangramento vaginal geralmente mais intenso e persistente que na ameaça.
    • Cólicas abdominais mais fortes e frequentes.
    • Pode haver eliminação de coágulos ou tecidos.
  • Características Clínicas:
    • O achado fundamental é a dilatação do colo uterino (colo pérvio) ao exame ginecológico.
    • Pode haver protrusão das membranas amnióticas ou do saco gestacional através do orifício cervical.
    • Na ultrassonografia, o embrião ainda pode apresentar BCE/BCF nas fases iniciais, mas o saco gestacional pode estar baixo, próximo ao canal cervical. A presença de colo pérvio com sangramento ativo indica que a gestação não prosseguirá.

3. Abortamento Incompleto

Ocorre quando parte do conteúdo gestacional é eliminada, mas outra parte permanece dentro da cavidade uterina.

  • Sinais e Sintomas:
    • Sangramento vaginal que pode ser intenso e persistente, muitas vezes com coágulos.
    • Dor abdominal tipo cólica, que pode ser forte.
    • A paciente pode relatar a eliminação de "pedaços" ou "tecidos".
  • Características Clínicas:
    • Ao exame, o colo uterino geralmente está pérvio ou entreaberto.
    • O volume uterino pode ser menor do que o esperado para a idade gestacional, mas ainda aumentado.
    • A ultrassonografia é diagnóstica, revelando a presença de restos ovulares na cavidade uterina, comumente uma espessura do eco endometrial superior a 15 mm com material heterogêneo.

4. Abortamento Completo

Neste caso, todo o conteúdo gestacional foi completamente eliminado do útero.

  • Sinais e Sintomas:
    • Histórico de sangramento vaginal e cólicas intensas, que melhoram significativamente ou cessam após a eliminação do material.
    • O sangramento atual, se presente, é geralmente discreto.
  • Características Clínicas:
    • Ao exame, o colo uterino encontra-se fechado (pode levar algumas horas para fechar após a expulsão).
    • O útero retorna a um tamanho próximo ao normal.
    • A ultrassonografia mostra uma cavidade uterina vazia ou com uma linha endometrial fina e regular, geralmente com espessura inferior a 15 mm.

5. Abortamento Retido (incluindo Gestação Anembrionada)

O abortamento retido ocorre quando o embrião ou feto morre, mas permanece dentro do útero, sem expulsão espontânea. A gestação anembrionada (ovo cego) é uma forma de abortamento retido onde o saco gestacional se desenvolve, mas o embrião não.

  • Sinais e Sintomas:
    • Muitas vezes é assintomático, sendo um achado incidental em ultrassom.
    • Pode haver regressão dos sintomas de gravidez.
    • Sangramento vaginal discreto, tipo "borra de café", ou ausente. Cólicas geralmente ausentes ou leves.
  • Características Clínicas:
    • Ao exame, o colo uterino está fechado (impérvio).
    • O volume uterino pode ser menor que o esperado para a idade gestacional.
    • O diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia, que evidencia:
      • Ausência de BCE/BCF em um embrião com comprimento cabeça-nádega (CCN) superior a 7 mm.
      • Ausência de embrião em um saco gestacional com diâmetro médio igual ou superior a 25 mm (gestação anembrionada).

6. Abortamento Infectado

Qualquer uma das formas clínicas anteriores pode evoluir com infecção, caracterizada por febre, dor pélvica intensa, corrimento vaginal purulento e fétido, e mal-estar geral. Esta é uma emergência médica e será detalhada em seção específica.

Como é Feito o Diagnóstico do Abortamento: Avaliação Clínica e Exames Essenciais

A identificação precisa de um quadro de abortamento é um passo crucial. Este processo diagnóstico envolve uma abordagem multifacetada, desde a escuta atenta e exame clínico até exames complementares.

Avaliação Clínica e Anamnese: As Primeiras Pistas

O diagnóstico começa com uma anamnese detalhada, investigando:

  • Sintomas principais: Intensidade, coloração e características do sangramento vaginal; tipo e localização da dor abdominal.
  • Histórico gestacional: Data da última menstruação (DUM), testes de gravidez, histórico de gestações anteriores.
  • Sintomas associados: Febre, calafrios e corrimento vaginal com odor fétido são sinais de alerta para um abortamento infectado.

O exame físico subsequente inclui:

  • Avaliação geral: Sinais vitais para identificar instabilidade hemodinâmica ou infecção.
  • Exame ginecológico:
    • Exame especular: Visualiza o colo uterino, origem do sangramento, presença de restos ovulares.
    • Toque vaginal: Avalia volume uterino, sensibilidade e, crucialmente, o estado do orifício cervical interno (aberto/pérvio ou fechado/impérvio).

Ultrassonografia: O Exame Chave para Confirmação e Diferenciação

A ultrassonografia (USG), especialmente a via transvaginal, é a ferramenta de imagem mais importante. Ela é fundamental para:

  • Confirmar a localização da gestação (descartando gestação ectópica).
  • Avaliar a vitalidade embrionária ou fetal pela detecção de batimentos cardíacos (BCE/BCF).
  • Diferenciar os diversos tipos de abortamento, conforme os achados característicos de cada forma clínica (como presença ou ausência de BCE/BCF, estado do colo uterino visualizado clinicamente, presença de restos ovulares, espessura endometrial e localização do saco gestacional), que foram detalhados na seção anterior. Por exemplo, a USG é crucial para distinguir uma ameaça de abortamento (BCE/BCF presentes) de um abortamento retido (ausência de BCE/BCF em embrião com CCN > 7 mm, ou saco gestacional anembrionado com diâmetro médio > 25 mm). Ajuda a identificar um abortamento inevitável, podendo mostrar o saco gestacional baixo implantado, associado a um colo pérvio. No abortamento incompleto, a USG revela material ecogênico heterogêneo na cavidade uterina (espessura endometrial tipicamente > 15 mm), enquanto no abortamento completo, a cavidade está vazia ou com endométrio fino (< 15 mm).

Diagnóstico de Abortamento Infectado

O diagnóstico do abortamento infectado é eminentemente clínico, suspeitado pela presença de febre, dor pélvica intensa, sensibilidade uterina e à mobilização do colo, e sangramento vaginal com odor fétido ou secreção purulenta. O colo uterino geralmente está pérvio.

Exames Complementares

Além da ultrassonografia, outros exames podem ser úteis:

  • Dosagem quantitativa de Beta-hCG: Pode auxiliar no acompanhamento da evolução da gestação em casos duvidosos. Uma queda abrupta ou níveis baixos para a idade gestacional sugerem inviabilidade.
  • Exame Anatomopatológico: A análise histopatológica do material eliminado ou obtido por esvaziamento uterino confirma a natureza gestacional do material (presença de vilosidades coriônicas) e, em alguns casos, pode fornecer pistas sobre a causa, como alterações sugestivas de mola hidatiforme ou anomalias cromossômicas.

O diagnóstico preciso e a correta classificação do tipo de abortamento são fundamentais, pois orientam as decisões terapêuticas.

Abortamento Infectado: Reconhecimento, Riscos e Tratamento Urgente

O abortamento infectado representa uma das complicações mais graves, caracterizando-se pela infecção do útero e tecidos pélvicos. Exige reconhecimento ágil e manejo emergencial devido ao risco de evolução para choque séptico.

O Que Define o Abortamento Infectado?

É a infecção do conteúdo uterino e/ou do útero após um abortamento (espontâneo ou induzido), geralmente em gestações com menos de 20-22 semanas. Difere da corioamnionite, que ocorre em gestações mais avançadas.

Sinais de Alerta: Como Reconhecer o Quadro Clínico?

O diagnóstico é eminentemente clínico, com uma tríade sintomática clássica:

  • Febre: Frequentemente alta, com calafrios.
  • Dor Abdominal: Pélvica ou baixo ventre, com dor à palpação uterina e à mobilização do colo.
  • Sangramento Vaginal com Odor Fétido: Secreção purulenta ou sanguinolenta com cheiro desagradável.

Outros sinais incluem taquicardia, mal-estar geral, colo pérvio e leucocitose.

Fatores de Risco e Contexto

Frequentemente associado a:

  • Abortamentos inseguros: Procedimentos inadequados fora de ambientes seguros.
  • Retenção de restos ovulares: Meio propício para proliferação bacteriana.
  • Manipulação uterina: Pode introduzir microrganismos. O uso de Dispositivos Intrauterinos (DIUs) é contraindicado na vigência de abortamento infectado.

Microbiologia: Os Agentes Envolvidos

A infecção é tipicamente polimicrobiana, envolvendo bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e anaeróbias, muitas vezes da flora vaginal ascendente.

Evolução, Progressão e Riscos Graves

A infecção pode progredir do conteúdo uterino para o miométrio, anexos, cavidade pélvica (pelviperitonite) e corrente sanguínea (disseminação hematogênica), levando a:

  • Sepse: Resposta inflamatória sistêmica desregulada.
  • Choque Séptico: Sepse com hipotensão persistente e disfunção de múltiplos órgãos.
  • Abscessos pélvicos, tromboflebite pélvica séptica.

Diagnóstico e Manejo Terapêutico Emergencial: Uma Corrida Contra o Tempo

O diagnóstico rápido é crucial. O tratamento é uma emergência médica e baseia-se em:

  1. Estabilização Hemodinâmica e Suporte Intensivo:

    • Internação hospitalar imediata.
    • Ressuscitação volêmica com fluidos intravenosos.
    • Uso de vasopressores e ventilação mecânica, se necessário.
  2. Antibioticoterapia de Amplo Espectro:

    • Iniciada o mais rápido possível, via endovenosa, cobrindo os patógenos prováveis.
    • Combinações comuns incluem clindamicina associada à gentamicina.
  3. Esvaziamento Uterino:

    • Remoção da fonte de infecção (restos ovulares infectados) por curetagem uterina ou aspiração manual intrauterina (AMIU).
    • Realizado após o início da antibioticoterapia e estabilização clínica inicial. A "wintercuretagem" (curetagem imediata antes de suporte) não é a conduta prioritária.

Opções de Tratamento e Condutas Médicas para o Abortamento

A abordagem terapêutica depende do tipo de abortamento, idade gestacional, estabilidade clínica da paciente e suas preferências, visando sempre a segurança e minimização de riscos.

1. Conduta Expectante: Observar e Aguardar

Aguarda-se a evolução natural, sendo uma opção segura em certas situações:

  • Ameaça de Abortamento: Frequentemente a conduta de escolha, com repouso relativo e acompanhamento ultrassonográfico.
  • Abortamento Incompleto: Em pacientes hemodinamicamente estáveis, com sangramento leve a moderado, sem infecção. A eliminação espontânea pode ocorrer, especialmente com espessura endometrial residual moderada (ex: 15-50mm). Observação por 2 a 4 semanas.
  • Abortamento Retido: Pode-se aguardar a expulsão espontânea por até 4 semanas, embora períodos menores (cerca de 15 dias) sejam comuns devido à ansiedade e pequeno aumento de riscos com retenção prolongada.

2. Tratamento Medicamentoso: O Papel do Misoprostol

O misoprostol, análogo da prostaglandina E1, é uma alternativa menos invasiva ao tratamento cirúrgico.

  • Indicações Principais: Abortamento incompleto e abortamento retido.
  • Mecanismo de Ação: Promove amadurecimento e dilatação do colo uterino e induz contrações uterinas.
  • Utilização: Administrado por diversas vias (oral, vaginal, sublingual). Após o tratamento, USG de controle verifica o esvaziamento (eco endometrial < 15 mm). Também usado para preparo cervical antes de esvaziamento cirúrgico.

3. Procedimentos de Esvaziamento Uterino: AMIU e Curetagem

Indicados quando a conduta expectante não é apropriada, falha, ou há indicação clínica para remoção ativa do conteúdo uterino.

  • Aspiração Manual Intrauterina (AMIU):

    • Descrição: Utiliza seringa de vácuo manual e cânulas de plástico.
    • Indicações: Método de escolha para abortamentos de primeiro trimestre (até 12-14 semanas), incluindo incompleto, em curso ou retido, com útero menor.
    • Vantagens: Mais segura que curetagem, menor risco de perfuração, perda sanguínea e dor; pode ser feita sob anestesia local.
  • Curetagem Uterina (Dilatação e Curetagem - D&C):

    • Descrição: Dilatação cervical (se necessário) e remoção do conteúdo uterino com cureta metálica.
    • Indicações: Abortamento incompleto, em curso ou retido, com sangramento intenso, falha do tratamento medicamentoso, ou AMIU não disponível/viável.
    • Considerações para Gestação > 12 semanas: Em abortamentos com idade gestacional superior a 12-14 semanas, o risco de perfuração uterina com curetagem direta é maior. Recomenda-se indução da expulsão fetal com misoprostol, seguida, se necessário, por curetagem para remover restos placentários.

4. Manejo em Situações Específicas e de Urgência

  • Instabilidade Hemodinâmica: Prioridade é a estabilização com reposição volêmica. Esvaziamento uterino de urgência (AMIU ou curetagem) assim que minimamente estabilizada.
  • Abortamento Infectado: Como detalhado anteriormente, requer antibioticoterapia de amplo espectro IV imediata, seguida de esvaziamento uterino após estabilização.
  • Abortamento Completo: Se confirmado clínica e ultrassonograficamente (eco endometrial < 15 mm), alta hospitalar com orientações.
  • Abortamento em Curso (ou Inevitável): Se estável, opções incluem conduta expectante, misoprostol ou esvaziamento. Se instável, manejo da instabilidade.

Complicações Pós-Abortamento: Foco em Infecções e Cuidados Necessários

O período pós-abortamento requer atenção para prevenir complicações, especialmente infecções.

Infecções do Trato Genital: A Ameaça da Infecção Puerperal

O termo infecção puerperal refere-se a qualquer infecção do trato genital após o término de uma gestação, aplicável também ao pós-abortamento.

  • Endometrite: A Infecção Uterina Mais Comum Pós-Abortamento A endometrite é a inflamação do revestimento interno do útero e representa a complicação infecciosa mais comum após um abortamento. Diferentemente do abortamento infectado, que é uma infecção ativa durante o processo de perda gestacional, a endometrite pode surgir dias após o evento, mesmo que o esvaziamento uterino tenha sido considerado completo.
    • Como Acontece (Patogenia): A infecção geralmente ocorre pela ascensão de microrganismos da flora vaginal ou cervical. O sítio de implantação prévio da gestação e a eventual presença de mínimos restos ovulares ou coágulos podem servir como meio de cultura. Procedimentos como curetagem ou AMIU, se não seguidos de técnica asséptica rigorosa ou se houver retenção inadvertida de tecido, podem aumentar o risco.
    • Microrganismos Envolvidos: A infecção é tipicamente polimicrobiana, envolvendo bactérias como Streptococcus agalactiae, Enterococcus, Escherichia coli e anaeróbios.
    • Sinais de Alerta: Os sintomas costumam aparecer alguns dias (geralmente 2 a 10 dias) após o abortamento e incluem: febre (pode ser baixa inicialmente), dor pélvica ou abdominal inferior, lóquios com odor fétido ou aspecto purulento, e sensibilidade uterina à palpação. O útero pode estar subinvoluído. Casos mais leves podem não apresentar febre alta ou mal-estar intenso.
    • Diagnóstico e Tratamento: O diagnóstico é primariamente clínico. O tratamento consiste em antibioticoterapia de amplo espectro. A via de administração (oral ou endovenosa) e a necessidade de hospitalização dependem da gravidade. Se houver suspeita de restos ovulares significativos contribuindo para a infecção, um novo esvaziamento uterino pode ser considerado após o início da antibioticoterapia.

Outras Infecções e a Disseminação do Problema

Uma infecção uterina não tratada pode disseminar-se, levando a:

  • Progressão da Infecção Uterina: Endomiometrite, parametrite, salpingite, ooforite (anexite) e pelviperitonite. Abscessos pélvicos são complicações graves.
  • Infecções em Sítios Cirúrgicos: Infecção de ferida operatória abdominal (rara em abortamentos, mais comum pós-cesárea) ou de episiotomia/lacerações (raras).
  • Complicações da Cervicite: Pode levar à Doença Inflamatória Pélvica (DIP), com risco de dor pélvica crônica, infertilidade e gravidez ectópica.

Alterações Uterinas e a Recuperação Pós-Abortamento

O útero inicia um processo natural de involução. Uma infecção pode levar à hipoinvolução uterina. Recomenda-se aguardar alguns meses antes de nova gestação.

Cuidados Essenciais e Anticoncepção Pós-Abortamento

  • Acompanhamento Médico: Crucial para monitorar a recuperação.
  • Anticoncepção: Discutir métodos contraceptivos logo após o abortamento. Em casos de aborto infectado prévio, a inserção de DIU deve ser postergada até a resolução completa da infecção (geralmente cerca de 3 meses).

Fatores de Risco, Abortamento Recorrente e Situações Especiais

Compreender os fatores que elevam o risco de abortamento, as particularidades do abortamento recorrente e outras situações especiais é fundamental.

Abortamento Recorrente (Habitual) e o Papel das Anomalias Uterinas

O abortamento recorrente (definido anteriormente como três ou mais perdas consecutivas, ou duas com documentação) pode ser causado por diversos fatores, sendo as anomalias uterinas proeminentes.

  • Prevalência e Tipos: Anomalias uterinas (congênitas ou adquiridas) são encontradas em 15% a 30% das mulheres com abortamento de repetição.
    • Anomalias congênitas (malformações müllerianas), como útero septado (mais comum, associado à maior taxa de perda, tratável por septostomia histeroscópica), bicorno ou unicorno.
    • Anomalias adquiridas: Miomas submucosos, pólipos endometriais, sinéquias uterinas.
  • Impacto e Complicações: Aumentam risco de parto prematuro, restrição de crescimento fetal e distocias.
  • Investigação Uterina: Ultrassonografia transvaginal 3D (USG TV 3D), histerossalpingografia (HSG), histeroscopia diagnóstica, Ressonância Magnética (RM).

Outros Fatores de Risco e Situações Particulares

  • Abortamento Tardio: Entre 12ª e 20ª-22ª semana. Causas incluem insuficiência istmocervical, infecções, malformações fetais, RCF, hemorragias.
  • Infecções Congênitas e Alterações Fetais: Podem causar diversas alterações fetais (microcefalia, calcificações cerebrais, RCF, hepatoesplenomegalia).
  • Reprodução Assistida: Pode haver risco aumentado de perda gestacional e associação com placenta prévia.
  • Curetagem Uterina: Múltiplas curetagens são fator de risco para sinéquias e acretismo placentário.

Abortamento Provocado

A interrupção intencional da gestação, se realizada em condições inseguras, acarreta riscos de infecção, perfuração uterina, hemorragia e morte.

Abortamento e suas Implicações Legais no Brasil

No Brasil, o aborto é restrito, mas permitido em situações específicas:

  • Aborto Terapêutico ou Necessário: Para salvar a vida da gestante (laudo de dois médicos).
  • Aborto Sentimental ou Humanitário: Em gestação resultante de estupro (consentimento da mulher, após avaliação multiprofissional; não exige B.O. ou autorização judicial).
  • Anencefalia: Permitido por decisão do STF.
  • O aborto não é permitido por outras infecções congênitas ou malformações fetais graves que não ameacem a vida materna.
  • Aborto Criminoso: Fora das situações legais, é crime para a gestante e para quem o realiza.

A abordagem dessas situações exige cuidado médico individualizado, ciente das implicações legais e éticas.


Navegar pelo tema do abortamento requer sensibilidade, informação precisa e acesso a cuidados de qualidade. Esperamos que este guia tenha oferecido uma visão abrangente e clara sobre os diferentes aspectos do abortamento, desde suas definições e tipos até as opções de diagnóstico, tratamento e manejo de complicações. O conhecimento é uma ferramenta poderosa para pacientes e profissionais de saúde, permitindo decisões mais conscientes e um cuidado mais empático e eficaz diante de uma situação tão delicada.

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