Sofrer um acidente de trabalho ou desenvolver uma doença por causa da sua profissão já é uma situação difícil por si só. A burocracia e a incerteza sobre seus direitos podem tornar tudo ainda mais angustiante. Este guia foi criado para ser seu aliado nesse momento: um manual direto e completo para desmistificar a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e a notificação compulsória. Nosso objetivo é transformar a complexidade da lei em conhecimento prático, garantindo que você saiba exatamente como agir para proteger sua saúde, seu emprego e seus direitos.
O que é a CAT e o que a Lei Define como Acidente de Trabalho?
A Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) é o documento oficial utilizado para informar à Previdência Social (INSS) a ocorrência de um acidente de trabalho ou de uma doença ocupacional. Sua finalidade é dupla e de extrema importância:
- Garantia de Direitos: É por meio da CAT que o trabalhador com vínculo formal (CLT), o empregado doméstico ou o segurado especial (como o trabalhador rural) pode acessar benefícios previdenciários, como o auxílio por incapacidade temporária acidentário e a aposentadoria por invalidez, além de garantir a estabilidade no emprego após a alta médica.
- Fins Estatísticos e Epidemiológicos: Os dados coletados pelas CATs permitem ao governo mapear os setores e as atividades com maiores índices de acidentes, orientando políticas públicas de prevenção e fiscalização.
Para que a CAT seja emitida, o evento precisa se enquadrar no que a lei define como acidente de trabalho. Segundo o Artigo 19 da Lei nº 8.213/91, acidente de trabalho é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Contudo, a legislação é abrangente e vai além do "acidente típico" — como uma queda ou um corte por uma máquina. A lei equipara outras situações ao acidente de trabalho, ampliando a proteção ao trabalhador:
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Doenças Ocupacionais: Condições de saúde desenvolvidas em decorrência da atividade laboral. Elas se dividem em:
- Doença Profissional: Peculiar a determinada função. Exemplo: Lesão por Esforço Repetitivo (LER/DORT) em digitadores.
- Doença do Trabalho: Adquirida pelas condições especiais em que o trabalho é realizado. Exemplo: perda auditiva devido a ruído excessivo.
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Acidente de Trajeto: Acidente sofrido pelo trabalhador no percurso entre sua residência e o local de trabalho, ou no caminho de volta, independentemente do meio de locomoção.
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Acidentes Ligados ao Trabalho: Eventos que ocorrem no local e horário de serviço, como agressões, sabotagens, desabamentos, ou mesmo um acidente ocorrido fora do local de trabalho, mas durante a execução de uma ordem ou serviço para a empresa, como em uma viagem a trabalho.
Responsáveis pela Emissão da CAT: Quem Deve Fazer e Quais os Prazos?
A emissão da CAT é, antes de tudo, uma obrigação legal da empresa ou do empregador doméstico. A legislação, especificamente o artigo 22 da Lei nº 8.213/1991, é muito clara quanto aos prazos para essa comunicação:
- Acidentes Típicos e Doenças Ocupacionais: A empresa deve emitir a CAT até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência do acidente ou do diagnóstico da doença.
- Acidente com Óbito: Em caso de morte do trabalhador, a comunicação deve ser feita de forma imediata à autoridade pública competente.
A omissão ou o atraso na comunicação sujeita o empregador a penalidades e multas. É crucial entender que a CAT deve ser emitida para todo e qualquer acidente de trabalho, mesmo que não haja necessidade de afastamento do trabalhador de suas atividades.
E se a empresa não emitir a CAT?
A lei protege o trabalhador em caso de omissão do empregador. Se a empresa não cumprir sua obrigação dentro do prazo, a CAT pode e deve ser emitida por outros legitimados:
- O próprio trabalhador acidentado ou seus dependentes;
- A entidade sindical que representa a categoria profissional;
- O médico que prestou o atendimento;
- Qualquer autoridade pública (magistrados, membros do Ministério Público, etc.).
O médico que atende o trabalhador acidentado tem um papel crucial e a prerrogativa de emitir a CAT. Qualquer médico pode fazê-lo, não sendo uma função exclusiva do médico do trabalho da empresa. Essa ação é um ato de responsabilidade profissional que assegura que o paciente não fique desamparado. A emissão por um desses agentes secundários não isenta a empresa de sua responsabilidade legal e da possibilidade de ser multada.
O Processo de Emissão da CAT na Prática: Um Passo a Passo
Entender o fluxo para a emissão da CAT é fundamental para garantir seus direitos. O processo segue uma lógica clara e foi desenhado para proteger o trabalhador.
1. O Atendimento Médico é o Ponto de Partida
Logo após um acidente ou ao perceber sintomas de uma doença ocupacional, o primeiro passo é sempre buscar atendimento médico. Lembre-se: não precisa ser um médico do trabalho. O profissional que realizar o primeiro atendimento — seja no pronto-socorro, em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) ou em uma clínica particular — está apto a fornecer a documentação necessária.
2. A Documentação Médica: O Atestado ou Laudo
O médico irá fornecer um atestado ou laudo, que é a peça central para a emissão da CAT. Este documento deve ser detalhado, contendo:
- Descrição clara da lesão ou do quadro clínico.
- O diagnóstico com o código da Classificação Internacional de Doenças (CID).
- A data e a hora do atendimento.
- A indicação do período provável de tratamento.
- Assinatura, carimbo e número do CRM do médico.
3. A Comunicação ao Empregador
Com o atestado em mãos, o próximo passo é comunicar formalmente o empregador. Conforme já mencionado, a responsabilidade primária e legal de registrar a CAT dentro dos prazos é da empresa.
Lembre-se de um ponto crucial: a CAT deve ser emitida para todo acidente, mesmo que não gere afastamento imediato. Isso vale para acidentes típicos, de trajeto e também para o diagnóstico de doenças ocupacionais, incluindo transtornos mentais (como ansiedade e burnout) com nexo causal comprovado. Nesses casos, a data do acidente a ser informada é a do início da incapacidade laboral ou a data em que o diagnóstico foi firmado.
CAT vs. Notificação Compulsória (SINAN): Entendendo as Diferenças e Obrigações
Quando um acidente de trabalho ocorre, é comum a dúvida: devo emitir a CAT ou fazer outra notificação? A resposta é: muitas vezes, ambos os procedimentos são necessários. Embora possam parecer redundantes, a CAT e a Notificação Compulsória ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) possuem finalidades distintas e complementares.
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A CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho): Tem uma finalidade previdenciária. Seu principal objetivo é informar ao INSS sobre o acidente, garantindo que o trabalhador tenha acesso a seus direitos. A responsabilidade primária de emissão é do empregador.
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A Notificação Compulsória (SINAN): Possui uma finalidade de vigilância em saúde pública. Este registro alimenta o Sistema Único de Saúde (SUS) com dados para monitorar as condições de saúde e segurança nos ambientes de trabalho, visando a prevenção e a proteção da saúde coletiva. Essa notificação abrange todos os trabalhadores, independentemente do tipo de vínculo empregatício (formal, informal, autônomo, etc.).
Com a atualização da Portaria GM/MS nº 217, de 1º de março de 2023, a regra tornou-se mais rigorosa: todo e qualquer acidente de trabalho passou a ser de notificação compulsória imediata. Isso significa que, independentemente da gravidade, o serviço de saúde que prestou o primeiro atendimento deve notificar o caso ao SINAN em até 24 horas.
A única exceção é o acidente de trabalho com exposição a material biológico, que possui notificação compulsória semanal (em até 7 dias), utilizando uma ficha de investigação específica no SINAN.
Direitos e Benefícios do Trabalhador Após a Emissão da CAT
A emissão da CAT é o passaporte para uma série de direitos e benefícios essenciais para a sua recuperação e segurança.
1. Acesso ao Auxílio por Incapacidade Temporária Acidentário (Espécie B91)
Quando um acidente ou doença ocupacional exige um afastamento superior a 15 dias, o trabalhador tem direito a este benefício do INSS. Os primeiros 15 dias de afastamento são pagos pelo empregador. Uma das maiores vantagens é que ele não exige período de carência (número mínimo de contribuições). Se o acidente ocorreu no seu primeiro dia de trabalho, o direito já existe.
2. Estabilidade Provisória no Emprego
O trabalhador que se afasta por mais de 15 dias e recebe o auxílio acidentário (B91) tem direito à estabilidade provisória no emprego por 12 meses, contados a partir da data de seu retorno ao trabalho. Durante este período, você não pode ser demitido sem justa causa.
3. Manutenção do Depósito do FGTS
Diferentemente do afastamento por doença comum, durante todo o período em que você estiver recebendo o auxílio acidentário, a empresa é obrigada a continuar realizando os depósitos do FGTS em sua conta.
4. Assistência Médica e Outros Benefícios
O SUS é responsável por prestar assistência integral ao trabalhador acidentado. Caso o acidente deixe sequelas permanentes que reduzam sua capacidade de trabalho, a CAT também é o documento inicial para solicitar o Auxílio-Acidente, um benefício indenizatório que pode ser acumulado com o salário após o retorno ao trabalho.
Prevenção e Responsabilidades: O Papel da Empresa Além da Notificação
A emissão da CAT é uma ação reativa. A responsabilidade fundamental de uma empresa comprometida é criar um ambiente de trabalho onde a prevenção é a prioridade máxima. Isso inclui:
- Identificar e comunicar de forma transparente todos os riscos ocupacionais.
- Treinar a equipe para executar suas tarefas de forma segura.
- Fornecer Equipamento de Proteção Individual (EPI), lembrando que seu uso não elimina a necessidade de emitir a CAT em caso de acidente.
- Ter um Plano de Ação para gerenciar acidentes, incluindo investigação das causas para evitar repetições.
Para que um acidente ou doença seja oficialmente reconhecido como relacionado ao trabalho, é preciso estabelecer o Nexo Causal, a ligação direta entre a lesão e a atividade laboral. O INSS utiliza o Nexo Técnico Previdenciário (NTP) para estabelecer essa relação e conceder os benefícios.
É vital entender que, embora a CAT seja o instrumento legal para trabalhadores com vínculo formal, a responsabilidade da empresa em prevenir acidentes e garantir um ambiente seguro transcende a formalidade do contrato, sendo um pilar da saúde e segurança de todos.
Navegar pelo processo de um acidente de trabalho pode ser intimidador, mas o conhecimento é a sua principal ferramenta de proteção. Da compreensão do que é a CAT e quem deve emiti-la, passando pela notificação correta e pelo conhecimento dos seus direitos essenciais — como estabilidade e benefícios —, este guia buscou capacitar você a agir com segurança e confiança. Lembre-se: a CAT não é apenas burocracia; é a formalização que garante sua proteção. Exigir sua emissão e conhecer os passos seguintes é um ato de cuidado com sua saúde e seu futuro profissional.
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