Na linha de frente de uma emergência gastroenterológica como a Hemorragia Digestiva Alta (HDA), a clareza de decisão é tão vital quanto a estabilização do paciente. A Classificação de Forrest não é apenas um sistema de estadiamento; é a linguagem universal que transforma uma imagem endoscópica em um plano de ação imediato e prognóstico. Este guia foi refinado para servir como sua referência definitiva, eliminando ruídos e focando no que realmente importa: capacitar você a usar essa ferramenta com precisão para estratificar riscos, guiar terapias e, fundamentalmente, melhorar os desfechos dos seus pacientes.
O que é a Classificação de Forrest e por que ela é crucial na HDA?
A Hemorragia Digestiva Alta (HDA) é uma das emergências gastroenterológicas mais comuns, definida por qualquer sangramento proximal ao ligamento de Treitz. Suas causas dividem-se em varicosas e não varicosas, sendo a úlcera péptica a principal responsável neste último grupo.
Diante de um paciente com HDA, a prioridade absoluta é a estabilização hemodinâmica, que precede a identificação da fonte do sangramento. Após a estabilização, a Endoscopia Digestiva Alta (EDA) emerge como a ferramenta diagnóstica e terapêutica de eleição. É neste momento que a Classificação de Forrest se torna indispensável.
Criada para descrever os achados em uma úlcera péptica sangrante, a Classificação de Forrest é um sistema endoscópico que avalia os estigmas de sangramento — sinais visuais que indicam se a hemorragia está ativa, se é recente ou se já cessou. Sua importância reside na capacidade de estratificar o risco de ressangramento, guiando a conduta terapêutica de forma direta. Ela permite diferenciar lesões de alto risco, que exigem hemostasia endoscópica imediata (injeção de adrenalina, clipes, termocoagulação), daquelas de baixo risco, onde o tratamento clínico com Inibidores da Bomba de Prótons (IBP) é suficiente. Assim, Forrest funciona como uma ponte essencial entre o diagnóstico visual e a decisão clínica, otimizando o tratamento e melhorando o prognóstico.
Forrest I (Sangramento Ativo): Identificando a Hemorragia em Curso
A categoria Forrest I classifica o sangramento ativo, o cenário de maior urgência, indicando que a hemorragia ocorre no momento do exame. Este achado posiciona o paciente em um patamar de alto risco e exige intervenção imediata.
-
Forrest Ia: Sangramento Ativo em Jato (Pulsátil) É a manifestação mais grave, caracterizada por um fluxo de sangue arterial, visivelmente pulsátil, que emerge da lesão. Indica o rompimento de uma artéria de calibre significativo.
- Risco: O mais alto de todos. Sem tratamento, a chance de ressangramento atinge 90%.
- Conduta: Emergência endoscópica. O tratamento hemostático é mandatório e imediato.
-
Forrest Ib: Sangramento Ativo "em Lençol" ou "em Babação" Descreve um sangramento contínuo, mas sem a força pulsátil do tipo Ia. O sangue escorre ou "baba" da lesão (em inglês, oozing), sendo frequentemente de origem venosa ou capilar.
- Risco: Alto, com taxa de ressangramento entre 20% e 25% sem terapia.
- Conduta: Também requer tratamento endoscópico imediato para cessar a perda sanguínea.
Forrest II (Estigmas Recentes): Decifrando os Sinais de Alerta
Na classificação Forrest II, o sangramento cessou, mas a lesão apresenta sinais que indicam a probabilidade de um novo episódio. O correto reconhecimento de suas subdivisões é fundamental para o manejo do paciente.
Forrest IIa: O Vaso Visível Não Sangrante – Alerta Máximo
Na base da úlcera, observa-se um vaso sanguíneo visível (coto vascular), mas sem sangramento ativo. Apesar da aparente calma, este é um sinal de alto risco, funcionando como uma "bomba-relógio".
- Aparência Endoscópica: Protuberância avermelhada ou azulada no leito da úlcera, sem fluxo de sangue.
- Risco de Ressangramento: Extremamente elevado, estimado entre 43% e 50% se não tratado.
- Conduta Terapêutica: O tratamento endoscópico é imprescindível e mandatório para obliterar o vaso.
Forrest IIb: O Coágulo Aderido – Uma Pista a Ser Investigada
Um coágulo firmemente aderido à base da úlcera funciona como um "curativo" natural, mas sua presença é ambígua, pois pode encobrir uma lesão de alto risco.
- Aparência Endoscópica: Coágulo vermelho escuro ou enegrecido, preso à úlcera.
- Risco de Ressangramento: Intermediário a alto, variando de 20% a 30%.
- Conduta Terapêutica: A recomendação é tentar remover o coágulo com lavagem vigorosa. Após a remoção, a base é inspecionada e a lesão reclassificada. Se um estigma de alto risco (Forrest I ou IIa) for exposto, o tratamento endoscópico é realizado.
Forrest IIc: Manchas de Hematina – O Sinal de Cicatrização
Este é o achado mais tranquilizador dentro dos estigmas recentes. Caracteriza-se pela presença de manchas planas e escuras (pretas ou acastanhadas), compostas por hematina (hemoglobina digerida pelo ácido gástrico).
- Aparência Endoscópica: Fundo da úlcera com pontos ou áreas planas e escuras.
- Risco de Ressangramento: Baixo, consistentemente reportado como inferior a 10%.
- Conduta Terapêutica: O tratamento endoscópico não oferece benefício. A conduta é clínica, com foco em IBPs em dose alta.
Forrest III (Base Limpa): Quando o Risco de Ressangramento é Mínimo
A classificação Forrest III descreve uma úlcera com base limpa, o achado mais tranquilizador. O endoscopista não encontra absolutamente nenhum estigma de sangramento: não há sangue ativo, vaso visível, coágulo ou mancha. A lesão está "limpa", indicando que o processo de cicatrização está avançado.
A principal implicação é o seu risco de ressangramento extremamente baixo, inferior a 5%. Este dado sustenta uma desescalada segura da abordagem terapêutica.
- Sem Benefício na Terapia Endoscópica: A diretriz é clara: não há indicação de tratamento hemostático endoscópico.
- Foco no Tratamento Clínico: A gestão se concentra no uso de Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs) para promover a cicatrização.
- Alta Hospitalar Precoce: Pacientes estáveis com úlceras Forrest III são candidatos a uma alta precoce, continuando o tratamento com IBPs por via oral.
A classificação Forrest III é única e não possui subdivisões, representando o estágio final de uma lesão em franca cicatrização.
Resumo da Classificação de Forrest: Risco e Conduta
| Classificação | Descrição Endoscópica | Risco de Ressangramento (sem terapia) | Conduta Recomendada | | :--- | :--- | :--- | :--- | | Forrest Ia | Sangramento ativo em jato, pulsátil | ~90% | Terapia endoscópica imediata (terapia dupla preferencial) | | Forrest Ib | Sangramento ativo "em lençol" ou "babando" | 20-25% | Terapia endoscópica imediata | | Forrest IIa | Vaso visível não sangrante | 43-50% | Terapia endoscópica (terapia dupla preferencial) | | Forrest IIb | Coágulo aderido | 20-30% | Remover coágulo e tratar a lesão subjacente | | Forrest IIc | Manchas de hematina no fundo da úlcera | <10% | Tratamento clínico (IBP). Sem terapia endoscópica. | | Forrest III | Úlcera com base limpa | <5% | Tratamento clínico (IBP). Sem terapia endoscópica. |
Integrando Forrest no Manejo Completo da HDA
Embora a Classificação de Forrest seja a peça central na decisão endoscópica, a avaliação completa do paciente começa muito antes e prevê os próximos passos caso a terapia inicial falhe.
Estratificação de Risco Pré-Endoscópica
Antes da EDA, escores clínicos validam o risco e otimizam o timing do procedimento.
- Escore de Glasgow-Blatchford (GBS): Essencial para identificar pacientes de muito baixo risco. Um GBS ≤ 2 indica baixa probabilidade de necessidade de intervenção, permitindo, em casos selecionados, um manejo ambulatorial.
- Escore de Rockall: Sua parte clínica inicial (pré-EDA) ajuda a triar pacientes. Pontuações elevadas (ex: Rockall clínico > 2) sinalizam alto risco e a necessidade de internação e EDA de urgência (nas primeiras 24 horas).
Ambos consideram fatores como idade avançada, instabilidade hemodinâmica, comorbidades e níveis de hemoglobina.
Terapias de Resgate: Quando a Endoscopia Não é Suficiente
Em cerca de 10-15% dos casos, o sangramento é refratário ou recorrente. A principal terapia de resgate é a arteriografia com embolização, realizada pela radiologia intervencionista.
- Como funciona: Um cateter é navegado até o vaso sangrante (ex: artéria gástrica esquerda). Para ser eficaz, o procedimento requer um sangramento ativo com fluxo mínimo de 0,5 a 1 mL/minuto para ser visualizado com contraste.
- Ação terapêutica: Uma vez identificado, o vaso é ocluído (embolizado) seletivamente com materiais como micropartículas ou molas metálicas, oferecendo uma solução diagnóstica e terapêutica para hemorragias que falharam ao tratamento endoscópico.
Dominar a Classificação de Forrest é, portanto, saber transformar uma imagem endoscópica em uma decisão clínica precisa e segura. É a habilidade de estratificar riscos, indicar terapias de forma assertiva, evitar intervenções desnecessárias e, em última análise, ditar o prognóstico do paciente. Essa ferramenta, quando integrada a uma avaliação clínica completa, representa o padrão-ouro no manejo da HDA não varicosa.
Agora que você navegou por este guia completo, está pronto para testar sua capacidade de decisão? Desafie seu conhecimento com as questões que preparamos a seguir.