Na sala de emergência, poucos eventos são tão alarmantes e exigem uma resposta tão rápida e precisa quanto uma crise convulsiva. É a tempestade neurológica perfeita, um cenário que testa a calma, o conhecimento e a capacidade de ação protocolar de toda a equipe. Este guia foi concebido não como um mero texto, mas como um aliado no plantão. Nosso objetivo é transformar a incerteza em confiança, fornecendo um roteiro claro e direto para o diagnóstico diferencial, o manejo agudo da crise epiléptica e a abordagem da emergência máxima que é o status epilepticus. Dominar estes passos não é apenas uma habilidade técnica; é a diferença fundamental no prognóstico e na segurança do seu paciente.
Decifrando a Crise: Classificação, Duração e Avaliação Inicial
Ao nos depararmos com um paciente em crise no departamento de emergência, o primeiro passo é decifrar a natureza do evento. A classificação inicial guiará toda a investigação e manejo, sendo a distinção mais importante entre crises provocadas e não provocadas.
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Crises Provocadas (ou Sintomáticas Agudas): Ocorrem como resposta direta a um fator desencadeante agudo e identificável, como distúrbios metabólicos (hipoglicemia, hiponatremia), uso ou abstinência de substâncias, neuroinfecções ou traumatismo cranioencefálico. Elas não são sinônimo de epilepsia, e o tratamento foca na correção da causa subjacente. É importante notar que alterações de potássio não são uma causa comum de crises.
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Crises Não Provocadas: Ocorrem na ausência de um gatilho imediato. Uma única crise não firma o diagnóstico de epilepsia. No entanto, o diagnóstico de epilepsia é estabelecido quando há uma predisposição duradoura a crises, geralmente definida por duas ou mais crises não provocadas com mais de 24 horas de intervalo, ou uma única crise com alta probabilidade de recorrência (indicada por alterações em EEG ou neuroimagem).
Duração e Mecanismos de Autolimitação
A maioria das crises epilépticas é autolimitada, durando menos de 5 minutos graças a potentes mecanismos de controle neuronal. Quando esses mecanismos falham, a crise pode se prolongar, evoluindo para o status epilepticus (estado de mal epiléptico), uma condição em que a atividade contínua por mais de 30 minutos pode levar a danos neuronais irreversíveis. Após uma crise típica, é comum o paciente entrar no período pós-ictal, uma fase de recuperação caracterizada por confusão, sonolência e desorientação.
A Primeira Crise: Avaliação Inicial e Sinais de Alarme
A abordagem a um paciente em sua primeira crise deve ser metódica, partindo da premissa de que o evento é provocado até que se prove o contrário. A avaliação prioriza:
- Anamnese Detalhada: Obter uma descrição precisa do evento, idealmente de uma testemunha.
- Exame Físico e Neurológico: Buscar ativamente por sinais de trauma, infecção e, crucialmente, déficits neurológicos focais.
- Avaliação Laboratorial Imediata: A glicemia capilar é mandatória, pois a hipoglicemia é uma causa comum e reversível.
A presença de um déficit neurológico agudo é um sinal de alarme. Embora possa ser um fenômeno transitório pós-crise (Paralisia de Todd), a principal hipótese a ser excluída é uma lesão estrutural aguda, como um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Nestes casos, um exame de imagem cerebral de emergência, como a tomografia de crânio, torna-se uma prioridade absoluta.
Ação Imediata: Protocolo de Manejo da Crise Convulsiva Aguda
Diante de um paciente em crise, cada segundo conta. A abordagem na sala de emergência deve ser rápida e sistemática, focada em estabilizar o paciente e cessar a atividade cerebral anormal. A base de toda a ação é o consagrado mnemônico ABC da emergência:
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A (Airway - Vias Aéreas): Posicione o paciente em decúbito lateral para prevenir aspiração. Verifique a permeabilidade das vias aéreas, removendo próteses frouxas e aspirando secreções se necessário. Nunca insira objetos na boca do paciente.
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B (Breathing - Respiração): Forneça oxigênio suplementar em alto fluxo (10-15 L/min) com uma máscara não reinalante e monitore continuamente a saturação de oxigênio (SpO₂).
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C (Circulation - Circulação): Garanta um acesso venoso periférico calibroso para administração de medicamentos e coleta de exames. Monitore o ritmo cardíaco e a pressão arterial. A glicemia capilar é um passo crítico e inadiável neste momento.
Tratamento Farmacológico para Abortar a Crise
Com o ABC assegurado, o foco se volta para interromper a crise. Os benzodiazepínicos são a primeira linha devido à sua ação rápida.
- Lorazepam: 0,1 mg/kg IV (máx. 4 mg/dose).
- Diazepam: 0,2 mg/kg IV (máx. 10 mg/dose).
- Midazolam: 0,2 mg/kg, administrável por via IV, intramuscular (IM) ou intranasal, sendo uma excelente opção quando o acesso venoso é difícil.
Enquanto o medicamento é administrado, a equipe deve iniciar a coleta de exames de sangue para investigar a causa subjacente, lembrando que a identificação e correção do gatilho são tão cruciais quanto o controle da crise.
Investigando a Origem: Fatores Desencadeantes e Diagnóstico Diferencial
Com o paciente estabilizado, a investigação da etiologia define o tratamento subsequente. A pergunta fundamental é: "Por que este paciente convulsionou agora?".
Em um paciente com diagnóstico prévio de epilepsia, a causa mais comum de descompensação é a má adesão ao tratamento. Além disso, a crise pode ser precipitada por fatores como privação de sono, estresse físico ou emocional, e estímulos luminosos.
Quando se trata de uma primeira crise, a busca por uma causa aguda é mandatória.
Causas Tóxico-Metabólicas
- Substâncias e Medicamentos: O uso de drogas como cocaína ou medicamentos como bupropiona, neurolépticos e certos antibióticos (quinolonas, cefepime) pode reduzir o limiar convulsivo.
- Abuso e Abstinência: A síndrome de abstinência alcoólica é uma causa clássica, assim como a retirada abrupta de benzodiazepínicos.
- Distúrbios Metabólicos: Hipoglicemia, hiponatremia, hipocalcemia e hipomagnesemia devem ser prontamente rastreadas. Em pacientes com doença renal crônica, a uremia é uma causa importante, cujo tratamento definitivo é a diálise.
Causas Estruturais e Neurológicas
- Metástases Cerebrais: Em pacientes com histórico de neoplasia (pulmão, mama, melanoma), uma crise pode ser a primeira manifestação de metástases. A neuroimagem é essencial. Para tratar crises neste cenário, fármacos não indutores enzimáticos como o levetiracetam são preferíveis.
Além do Resgate: Tratamento para Crises Focais, Generalizadas e Recorrentes
Controlada a crise aguda, a escolha de uma terapia de manutenção é crucial e depende da classificação correta do tipo de crise.
Tratamento de Manutenção para Crises de Início Focal
Para crises que se originam em um hemisfério cerebral, as drogas de primeira escolha são a lamotrigina e a carbamazepina (ou oxcarbazepina). A lamotrigina é frequentemente preferida por um perfil de tolerabilidade mais favorável.
Abordagem para Crises de Início Generalizado
Quando as crises envolvem ambos os hemisférios desde o início, o ácido valproico e a lamotrigina são as principais opções. Em síndromes como a Epilepsia Mioclônica Juvenil e em mulheres em idade fértil, o levetiracetam surge como uma escolha importante.
Manejo da Falha Terapêutica
A falha no controle das crises com um ou dois fármacos define a epilepsia farmacorresistente, mas não o fim do tratamento medicamentoso. A estratégia envolve a tentativa de outros fármacos em monoterapia ou a associação de múltiplos medicamentos (politerapia).
No cenário específico da eclâmpsia, a recorrência de uma crise exige um bólus adicional de 2g de sulfato de magnésio. Se a convulsão persistir, a droga de escolha é a difenil-hidantoína (fenitoína).
Status Epilepticus: Reconhecimento e Manejo da Emergência Neurológica Máxima
O Estado de Mal Epiléptico (EME) é definido como uma crise contínua por mais de 5 minutos ou duas ou mais crises sem recuperação da consciência entre elas. É uma emergência neurológica máxima que exige intervenção imediata.
Fluxograma de Manejo Agudo do Status Epilepticus
O tratamento é sequencial e deve ser iniciado assim que a condição é reconhecida.
1. Fase Inicial (0-5 minutos): Estabilização e Suporte
- Garantir o ABC da emergência: vias aéreas, oxigenação, acesso venoso calibroso e monitorização.
- Coletar exames e verificar a glicemia capilar. Se < 60 mg/dL, administrar glicose hipertônica (precedida de Tiamina em pacientes de risco).
2. Terapia de Primeira Linha (5-20 minutos): Benzodiazepínicos
- O objetivo é cessar a crise com Diazepam, Lorazepam ou Midazolam por via parenteral, conforme protocolo já descrito.
3. Terapia de Segunda Linha (20-40 minutos): Anticonvulsivantes de Ação Prolongada
- Se as crises persistirem (EME estabelecido), iniciar Fenitoína em dose de ataque de 15-20 mg/kg, via bomba de infusão contínua (BIC), com velocidade máxima de 50 mg/min.
4. Terapia de Terceira Linha (40-60 minutos): EME Refratário
- Se as crises não cessarem, o quadro é refratário. As opções incluem repetir a dose de Fenitoína ou administrar Fenobarbital (15-20 mg/kg IV).
5. Terapia de Quarta Linha (> 60 minutos): EME Super-Refratário
- O paciente deve ser transferido para a UTI para indução de coma anestésico (com Midazolam, Propofol ou Tiopental) e monitorização contínua com EEG.
A recorrência de crises após uma resposta inicial exige que o protocolo seja reiniciado, geralmente voltando à primeira linha com benzodiazepínicos.
Contextos Específicos e Pontos-Chave para um Manejo Eficaz
A eficácia do tratamento depende da capacidade de adaptar a abordagem a contextos específicos.
A Convulsão Febril na Pediatria
A prioridade absoluta é a cessação da crise convulsiva. O uso de antipiréticos é secundário, visando o conforto do paciente, e não previne a ocorrência de futuras convulsões febris.
A Interface com a Psiquiatria
É vital diferenciar uma crise epiléptica de eventos que a mimetizam, como as Crises Não Epilépticas Psicogênicas (CNEP). Quadros de agitação psicomotora ou psicose aguda devem ser manejados em ambiente hospitalar seguro, frequentemente com a combinação de antipsicóticos e benzodiazepínicos (via oral ou intramuscular) para controle dos sintomas e segurança. Em crises de ansiedade agudas, os benzodiazepínicos são a primeira linha.
O Início da Epilepsia e seu Prognóstico
O prognóstico está ligado ao tipo e momento de início da doença. Epilepsias que se manifestam nos primeiros anos de vida tendem a ser mais graves e associadas a um prognóstico neurológico menos favorável.
Dominar o manejo da crise convulsiva é dominar uma das situações mais críticas da medicina de emergência. Desde a rápida diferenciação entre uma crise provocada e não provocada, passando pela aplicação rigorosa do protocolo ABC e pela administração correta dos fármacos, até o reconhecimento e tratamento escalonado do temido status epilepticus, cada passo é decisivo. A abordagem sistemática, que combina ação imediata com uma investigação criteriosa da causa, é o que garante não apenas a estabilização do paciente, mas também a definição do melhor caminho para sua recuperação e futuro.
Agora que você explorou este guia completo, que tal solidificar seu conhecimento? Desafie-se com as questões que preparamos sobre os pontos mais críticos do manejo de crises na emergência.