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Guia Completo

Desidratação em Pediatria: Classificação e Tratamento com Planos A, B e C

Por ResumeAi Concursos
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Recipientes medidores com volumes crescentes de SRO ilustrando Planos A, B, C da desidratação pediátrica.

A desidratação em crianças, embora comum, pode evoluir rapidamente para um quadro grave se não identificada e tratada com precisão. Como profissionais de saúde e cuidadores, nossa capacidade de classificar corretamente a severidade da desidratação e aplicar os protocolos de tratamento adequados é mais do que uma habilidade técnica – é um pilar para a segurança e o bem-estar dos pequenos. Este guia detalhado foi elaborado para fornecer clareza e confiança no manejo da desidratação pediátrica, desde a avaliação inicial até a aplicação eficaz dos Planos A, B e C, capacitando você a tomar decisões informadas e ágeis que salvam vidas.

Desvendando a Desidratação em Crianças: Da Avaliação à Classificação

A desidratação representa uma preocupação significativa na pediatria, caracterizando-se pela perda excessiva de fluidos e eletrólitos corporais. Em crianças, este quadro pode evoluir rapidamente, tornando o diagnóstico precoce e a intervenção adequada cruciais para prevenir complicações graves, como o choque hipovolêmico. As causas mais frequentes incluem quadros diarreicos agudos, vômitos persistentes, febre elevada com sudorese intensa e, em contextos específicos, doenças como a dengue, que exige um manejo hídrico cuidadoso. Lactentes e crianças pequenas são particularmente vulneráveis devido à sua maior proporção de água corporal e à sua dependência de cuidadores para a ingestão de líquidos.

A Avaliação Sistemática: Um Pilar para o Diagnóstico Correto

A identificação e o manejo da criança desidratada exigem uma abordagem clínica sistemática. Conforme preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esta avaliação segue, geralmente, quatro passos essenciais:

  1. Observar: Avaliar o estado geral da criança, seu nível de consciência (alerta, irritada, letárgica), a avidez por líquidos e a presença de lágrimas ao chorar.
  2. Examinar: Realizar um exame físico detalhado, verificando sinais como:
    • Olhos: Normais, fundos ou muito fundos e secos.
    • Boca e língua: Úmidas, secas ou muito secas.
    • Sede: Bebe normalmente, sedenta (bebe rápido e avidamente), ou incapaz de beber/bebe muito pouco (sinal de gravidade).
    • Sinal da prega cutânea: Desaparece rapidamente, lentamente (até 2 segundos) ou muito lentamente (mais de 2 segundos).
    • Pulso: Radial, verificar se está cheio, fraco ou ausente.
    • Enchimento capilar: Normal (até 3 segundos), lento (3-5 segundos) ou muito lento (>5 segundos).
    • Em lactentes: Avaliar a fontanela (moleira), que pode estar normal ou deprimida.
  3. Decidir/Diagnosticar: Com base nos achados, classificar o grau de desidratação.
  4. Tratar: Instituir o plano terapêutico adequado à classificação da desidratação (Planos A, B ou C, que serão detalhados posteriormente).

Sinais Clínicos e a Classificação da Gravidade

A classificação da desidratação evoluiu. Embora termos como desidratação leve (grau I), moderada (grau II) e grave (grau III) ainda sejam encontrados, a OMS e o Ministério da Saúde do Brasil adotam uma categorização mais funcional, baseada na presença e intensidade dos sinais clínicos. Esta classificação visa orientar a conduta terapêutica de forma mais direta:

  • Sem Sinais de Desidratação (Hidratado): A criança apresenta-se alerta, com boa hidratação oral e cutânea (olhos brilhantes, mucosas úmidas, sinal da prega desaparecendo rapidamente) e diurese preservada. Bebe normalmente.
  • Com Sinais de Desidratação (Algum Grau de Desidratação / Desidratado): Observa-se irritabilidade ou agitação, olhos fundos, boca e língua secas, sede aumentada (bebe avidamente) e o sinal da prega desaparecendo lentamente. A diurese pode estar diminuída. Não há, contudo, sinais de choque hipovolêmico ou rebaixamento significativo do nível de consciência.
  • Com Sinais de Desidratação Grave (Desidratação Grave): Caracteriza-se por alteração importante do nível de consciência (letárgica, sonolenta, hipotônica, comatosa), sendo a criança muitas vezes incapaz de beber líquidos. Os olhos estão muito fundos e secos, a boca e a língua muito secas, e o sinal da prega desaparece muito lentamente (mais de 2 segundos). Frequentemente, há sinais de choque hipovolêmico, como pulso fraco ou ausente, enchimento capilar muito lento, extremidades frias e taquicardia (podendo evoluir para bradicardia em fases tardias). A perda de peso, se conhecida, geralmente é superior a 10%. O nível de consciência é um indicador chave para a gravidade.

Parâmetros Clínicos e Laboratoriais

A perda de peso aguda é o indicador mais objetivo do grau de desidratação, mas nem sempre está disponível. Outros parâmetros clínicos, como os já citados (estado geral, turgor cutâneo, enchimento capilar, padrão respiratório, frequência cardíaca, diurese), são essenciais.

Exames laboratoriais não são rotineiramente necessários para a classificação inicial da gravidade da desidratação, que é eminentemente clínica. No entanto, podem ser úteis em casos graves, complicados, ou quando há dúvidas diagnósticas, para avaliar distúrbios hidroeletrolíticos (sódio, potássio, bicarbonato), função renal (ureia, creatinina) e osmolaridade sérica. A densidade urinária tende a estar elevada em crianças desidratadas. Vale ressaltar que a desidratação também pode ser classificada quanto ao tipo (isotônica, hipotônica ou hipertônica) com base nos níveis de sódio sérico, o que influencia abordagens terapêuticas específicas, mas a classificação de gravidade é o primeiro passo.

Atenção Especial aos Lactentes

Em lactentes, os sinais de desidratação podem ser mais sutis ou progredir mais rapidamente. A depressão da fontanela anterior (moleira funda), a ausência de lágrimas ao chorar e a redução acentuada da diurese (fraldas secas por períodos prolongados) são sinais importantes. A avaliação precisa e a intervenção rápida são ainda mais cruciais nesta faixa etária. Em crianças desnutridas, os sinais clássicos de desidratação podem ser mascarados, exigindo maior atenção clínica.

Um diagnóstico preciso e ágil da presença e do grau de desidratação é o alicerce para um manejo eficaz. Uma vez classificada a desidratação, o pilar do tratamento para a maioria dos casos repousa sobre uma estratégia simples e revolucionária: a Terapia de Reidratação Oral.

A Pedra Angular do Tratamento: Terapia de Reidratação Oral (TRO) e Solução de Reidratação Oral (SRO)

A Terapia de Reidratação Oral (TRO) representa um dos avanços mais significativos na medicina pediátrica, sendo a estratégia de primeira linha e altamente eficaz para prevenir e tratar a desidratação, especialmente aquela causada por diarreia aguda. No cerne da TRO está a Solução de Reidratação Oral (SRO), uma mistura simples, porém poderosa, de água, sais e glicose, que revolucionou o manejo da desidratação e contribuiu drasticamente para a redução da mortalidade infantil em todo o mundo.

O que é a Solução de Reidratação Oral (SRO)?

A SRO é uma formulação líquida cuidadosamente balanceada, projetada para repor os fluidos e eletrólitos perdidos durante episódios de diarreia e vômitos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o UNICEF preconizam uma formulação padrão de SRO de baixa osmolaridade, que se mostrou mais eficaz e segura.

Composição da SRO padrão OMS (baixa osmolaridade):

  • Glicose: 75 mmol/L (ou 13,5 g/L)
  • Sódio: 75 mEq/L (ou 2,6 g/L de cloreto de sódio)
  • Potássio: 20 mEq/L (ou 1,5 g/L de cloreto de potássio)
  • Citrato: 10 mmol/L (ou 2,9 g/L de citrato trissódico di-hidratado)
  • Cloro: 65 mEq/L
  • Osmolaridade total: 245 mOsm/L

Esta formulação hiposmolar é preferível à formulação anterior (com 90 mEq/L de sódio e osmolaridade de 311 mOsm/L), pois demonstrou reduzir o volume de vômitos, a duração da diarreia e o risco de hipernatremia.

Mecanismo de Ação: A Mágica da Absorção de Sódio e Glicose

A eficácia da SRO reside no cotransporte de sódio e glicose no intestino delgado. Mesmo durante episódios de diarreia, a presença de glicose na SRO estimula ativamente a absorção de sódio através de transportadores específicos na parede intestinal (como o SGLT1). A absorção de sódio, por sua vez, "arrasta" a água do lúmen intestinal para dentro do corpo, promovendo a reidratação. Este processo permanece funcional na maioria dos casos de diarreia infecciosa.

Indicações da Terapia de Reidratação Oral (TRO)

A TRO com SRO é indicada para:

  • Prevenção da desidratação (Plano A): Em crianças com diarreia, mas ainda sem sinais de desidratação.
  • Tratamento da desidratação leve a moderada (Plano B): Quando a criança já apresenta sinais de desidratação, administrada sob supervisão.
  • A TRO é recomendada independentemente do agente causador da diarreia, visando corrigir ou prevenir a desidratação, mas não altera o curso ou a duração da doença diarreica em si.

Preparo e Administração da SRO

  • Preparo: A SRO geralmente vem em envelopes, que devem ser dissolvidos em 1 litro de água limpa, filtrada ou fervida (e esfriada), seguindo exatamente as instruções. Não se deve alterar a concentração.
  • Administração:
    • A SRO deve ser oferecida em pequenos volumes e com frequência, utilizando uma colher, copo ou seringa.
    • Em caso de vômitos, deve-se esperar 10 minutos e reiniciar a oferta da SRO, de forma mais lenta. Se persistentes e frequentes (4 ou mais episódios por hora), pode ser necessária a administração da SRO por sonda nasogástrica (gastróclise), com um volume de 20-30 ml/kg/hora.
    • A quantidade varia conforme o plano de tratamento, peso e perdas.

Contraindicações da TRO

Embora amplamente aplicável, a TRO possui algumas contraindicações:

  • Desidratação grave (Plano C): Especialmente com sinais de choque ou alteração importante do nível de consciência. Nestes casos, a reidratação intravenosa rápida é mandatória.
  • Íleo paralítico ou obstrução intestinal.
  • Recusa persistente da SRO ou incapacidade de ingerir oralmente (a gastróclise pode ser uma alternativa se a desidratação não for grave).
  • Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva grave ou insuficiência renal grave, a administração de fluidos deve ser cautelosa.

Interferência de Outros Líquidos

Durante a reidratação ativa (especialmente no Plano B), é recomendado evitar outros líquidos como refrigerantes e sucos adoçados, que podem agravar a diarreia.

  • Exceção: O leite materno não deve ser suspenso e auxilia na reidratação, devendo ser oferecido nos intervalos da SRO.
  • No Plano A, além da SRO, pode-se incentivar a ingestão de outros líquidos apropriados (água, sopas, chás sem açúcar).

A TRO com SRO é uma intervenção de baixo custo e alta eficácia. Seu uso correto, seguindo as orientações médicas, é essencial para garantir o sucesso do tratamento. Compreendida a importância e o funcionamento da TRO, vamos detalhar como ela se aplica nos diferentes contextos clínicos, começando pelo manejo domiciliar.

Plano A: Prevenção e Manejo Domiciliar da Desidratação

O Plano A é a estratégia fundamental para o manejo da diarreia aguda em crianças hidratadas ou com sinais muito leves de desidratação. Seu objetivo é prevenir a instalação da desidratação e tratar perdas iniciais no ambiente domiciliar, capacitando pais e cuidadores.

A eficácia do Plano A reside em:

  1. Aumentar a Oferta de Líquidos:

    • A criança deve ingerir mais líquidos que o habitual.
    • Líquidos recomendados: Água potável, Soro de Reidratação Oral (SRO), água de arroz, soro caseiro (se preparado corretamente), chás (sem açúcar, não laxativos), sucos naturais diluídos (sem açúcar), sopas leves. Aleitamento materno deve ser mantido em livre demanda.
    • Líquidos a serem evitados: Refrigerantes, sucos industrializados adoçados, bebidas esportivas, chás adoçados.
  2. Administração do Soro de Reidratação Oral (SRO):

    • O SRO é a solução de escolha e deve ser oferecido após cada evacuação diarreica ou vômito, utilizando a técnica de pequenos goles já descrita.
    • Volumes recomendados:
      • Crianças menores de 1 ano: 50 a 100 mL.
      • Crianças de 1 a 10 anos: 100 a 200 mL.
      • Crianças maiores de 10 anos e adultos: A quantidade que aceitarem.
    • Se a criança vomitar, aguarde 10 minutos e reinicie a oferta de forma mais lenta.
  3. Manutenção da Alimentação Habitual:

    • Não suspender a alimentação, a menos que por orientação médica. Ofereça alimentos habituais, em porções menores e mais frequentes se necessário. Bebês em aleitamento materno exclusivo ou fórmulas infantis devem continuar normalmente.
  4. Suplementação com Zinco:

    • A OMS e o Ministério da Saúde recomendam zinco para crianças com diarreia aguda (10 mg/dia para < 6 meses, 20 mg/dia para > 6 meses, por 10-14 dias, conforme orientação médica) para reduzir duração/gravidade dos episódios.

Orientações Essenciais para os Cuidadores:

  • Higiene Rigorosa: Lavar as mãos frequentemente, especialmente antes de preparar alimentos/alimentar a criança e após usar o banheiro/trocar fraldas. Higiene no preparo de alimentos e água.
  • Preparo e Conservação do SRO: Diluir o pó conforme instruções em água filtrada/fervida e resfriada. Usar em 24 horas (conservar tampado, refrigerado se possível), desprezando sobras.
  • Sinais de Alerta para Procurar Atendimento Médico Imediato: Piora da diarreia, vômitos persistentes, recusa de líquidos/alimentos, sede excessiva, boca/língua secas, choro sem lágrimas, diminuição da urina, olhos fundos, prostração/sonolência/irritabilidade acentuada, sangue nas fezes, febre alta/persistente.

O Plano A, bem compreendido e aplicado, é uma ferramenta poderosa para o manejo domiciliar seguro, prevenindo a desidratação e suas complicações.

Plano B: Reidratação Oral Supervisionada na Unidade de Saúde para Desidratação Moderada

Quando a criança apresenta sinais de desidratação leve a moderada, sem os sinais de alarme da desidratação grave, o Plano B é indicado. Este plano deve ser implementado sob supervisão profissional em uma unidade de saúde, garantindo acompanhamento e ajustes rápidos na conduta.

A Base do Tratamento: Terapia de Reidratação Oral (TRO) com Soro de Reidratação Oral (SRO)

O pilar do Plano B é a TRO com SRO.

  • Administração e Volume do SRO:
    • A quantidade recomendada é de 50 a 100 mL/kg de peso da criança.
    • Este volume deve ser administrado ao longo de 4 a 6 horas (algumas sociedades sugerem 2-4 horas).
    • A administração também deve ser guiada pela sede da criança; se desejar mais soro, pode ser oferecido até que os sinais de desidratação melhorem.
  • Técnica de Administração: O SRO deve ser oferecido em pequenos volumes e de forma frequente (colher, copo, seringa) para aumentar aceitação e minimizar vômitos.

Manejando os Vômitos Durante a Terapia de Reidratação Oral

  • Vômitos ocasionais não contraindicam o Plano B. Se vomitar, aguarde 10-15 minutos e reinicie a oferta do SRO, em volumes menores e intervalos mais curtos.
  • Vômitos persistentes (mais de quatro episódios/hora) podem comprometer a TRO. A equipe pode considerar a gastróclise (SRO por sonda nasogástrica).
  • O monitoramento contínuo pela equipe é essencial.

Conduta Alimentar Durante o Plano B

Durante as primeiras 4-6 horas de reidratação intensiva:

  • Recomenda-se a suspensão temporária da alimentação habitual (outros leites, papas, sólidos).
  • Exceção crucial: o aleitamento materno DEVE SER MANTIDO e oferecido em livre demanda.

Reavaliação do Paciente e Próximos Passos

Após 4 a 6 horas de TRO supervisionada, a criança é cuidadosamente reavaliada:

  1. Criança Hidratada: Se os sinais de desidratação desapareceram, pode receber alta com orientação para seguir o Plano A em domicílio e reintrodução gradual da alimentação.
  2. Desidratação Persistente (Leve a Moderada): Se ainda desidratada, mas sem gravidade, a TRO pode ser continuada na unidade. Se aceitação oral difícil ou vômitos limitantes, a gastróclise com SRO pode ser indicada.
  3. Piora do Quadro (Evolução para Desidratação Grave): Se houver piora ou evolução para desidratação grave (prostração, letargia, pulso fraco, etc.), mudar imediatamente para o Plano C (reidratação venosa rápida).

A decisão sobre a conduta subsequente é sempre baseada na avaliação clínica criteriosa.

Plano C: Intervenção Rápida para Desidratação Grave com Hidratação Venosa

Quando a desidratação atinge um nível crítico, o Plano C é a resposta para a desidratação grave, uma emergência pediátrica que exige intervenção imediata e intensiva em ambiente hospitalar, focando na hidratação venosa rápida.

Indicações para o Plano C

O Plano C é para crianças com sinais inequívocos de desidratação grave:

  • Alteração do nível de consciência: Letargia, prostração, sonolência excessiva, irritabilidade extrema alternada com torpor, hipotonia ou coma.
  • Sinais de choque hipovolêmico: Pulsos periféricos fracos/ausentes, extremidades frias, pele mosqueada, enchimento capilar lentificado (> 2-3 segundos).
  • Olhos muito fundos e secos.
  • Ausência de lágrimas ao chorar.
  • Boca e língua muito secas.
  • Sinal da prega desaparecendo muito lentamente (> 2 segundos).
  • Incapacidade de ingerir líquidos por via oral.
  • Diurese ausente ou significativamente reduzida.

Soluções Intravenosas: O Arsenal Terapêutico

Utilizam-se soluções cristaloides isotônicas:

  • Soro Fisiológico 0,9% (SF 0,9%): Solução de escolha na maioria dos protocolos para expansão rápida.
  • Ringer Lactato (RL): Alternativa eficaz, mais balanceada em eletrólitos.

Evitar soluções hipotônicas na fase inicial de reanimação.

Cálculo e Manejo dos Volumes e Taxas de Infusão

O manejo é dinâmico e dividido em fases:

  1. Fase de Expansão Volêmica Rápida (Fase de Resgate ou Choque): Objetivo: restaurar rapidamente o volume intravascular. Utiliza-se SF 0,9% ou RL em bolus:

    • Neonatos e crianças com cardiopatia conhecida: 10 ml/kg em 30 minutos.
    • Crianças menores de 5 anos (sem cardiopatia): 20 ml/kg em 30 minutos.
    • Crianças maiores de 5 anos: 30 ml/kg em 30 minutos. Esta etapa pode ser repetida uma ou duas vezes, conforme resposta clínica. A reavaliação é constante.
  2. Fase de Reidratação e Manutenção: Após estabilização inicial ou como esquema completo para desidratação grave sem choque, um protocolo comum (OMS) para administrar 100 ml/kg de SF 0,9% ou RL é:

    • Para crianças menores de 1 ano:
      • Primeira etapa: 30 ml/kg na primeira hora.
      • Segunda etapa: 70 ml/kg nas 5 horas seguintes.
    • Para crianças com 1 ano ou mais:
      • Primeira etapa: 30 ml/kg nos primeiros 30 minutos.
      • Segunda etapa: 70 ml/kg nas 2 horas e 30 minutos seguintes. Outras abordagens (ex: Manual MS 2003 com SF 0,9% + SG 5% 1:1 em 2h) podem ser consideradas. A adição de glicose pode ser importante após correção da hipovolemia, especialmente em lactentes ou desnutridos.

Cuidados Essenciais Durante e Após a Expansão Volêmica

  • Monitorização Contínua: Sinais vitais, perfusão periférica, nível de consciência, débito urinário, sinais de sobrecarga hídrica (especial atenção em neonatos e cardiopatas).
  • Reavaliação Clínica Frequente: A cada 15-30 minutos na fase rápida, depois a cada 1-2 horas.
  • Acesso Venoso Seguro: Garantir acesso calibroso. Via intraóssea como alternativa emergencial.

Cuidados Pós-Reidratação no Plano C

Após estabilização hemodinâmica e restabelecimento da hidratação:

  • Introdução da Terapia de Reidratação Oral (TRO): Assim que a criança estiver alerta e conseguir deglutir, iniciar SRO, mesmo com hidratação venosa de manutenção.
  • Manutenção da Alimentação: Reintroduzir gradualmente a alimentação habitual. Aleitamento materno não deve ser interrompido.
  • Identificação e Tratamento da Causa Base: Investigar e tratar a doença subjacente.
  • Observação Continuada: Até garantir hidratação oral e estabilidade clínica.

O Plano C é uma intervenção salvadora de vidas, exigindo aplicação correta e manejo cuidadoso.

Manejo Integrado e Cuidados Contínuos: Além da Hidratação Imediata

Independentemente do plano de tratamento inicial (A, B ou C, já detalhados), o manejo da criança com desidratação, especialmente associada à diarreia, requer uma visão integrada. Alguns pilares são fundamentais para a recuperação completa e prevenção de recorrências:

Nutrição Contínua e Adequada

A manutenção da nutrição é vital. Suspender a alimentação desnecessariamente pode agravar o quadro e levar à desnutrição.

  • Aleitamento Materno: Deve ser mantido e incentivado em todas as fases do tratamento, sendo um excelente líquido reidratante e nutricional.
  • Dieta Habitual: No Plano A, a criança deve continuar recebendo sua alimentação usual. Após a fase de reidratação nos Planos B e C, a dieta habitual deve ser reintroduzida o mais breve possível, conforme tolerância. Alimentos gordurosos, muito condimentados ou de difícil digestão podem ser evitados inicialmente. Não há necessidade de suspender a lactose rotineiramente, a menos que haja indicação clínica específica.

Suplementação com Zinco

Conforme recomendado pela OMS e Ministério da Saúde, a suplementação com zinco (10-20 mg/dia por 10-14 dias, dependendo da idade e orientação médica) é um componente importante no tratamento da diarreia aguda em crianças, ajudando a reduzir a duração e a gravidade dos episódios, além de prevenir episódios futuros.

Vigilância e Sinais de Alerta para os Cuidadores

Após a melhora do quadro, especialmente após tratamento com Plano B ou C, ou durante o manejo domiciliar com Plano A, os pais ou responsáveis devem receber orientações claras e estar atentos aos sinais de alerta que indicam necessidade de reavaliação médica urgente:

  • Piora da diarreia (aumento do número de evacuações ou do volume).
  • Vômitos repetidos que impedem a hidratação oral.
  • Sede intensa e persistente, boca excessivamente seca.
  • Recusa em ingerir líquidos ou alimentos.
  • Presença de sangue nas fezes.
  • Diminuição acentuada da urina (fraldas secas por tempo prolongado, urina escura).
  • Febre alta ou persistente.
  • Prostração, sonolência excessiva, irritabilidade acentuada ou dificuldade para despertar.
  • Agravamento do estado geral da criança.

Prevenção de Novos Episódios

Medidas de higiene são cruciais para prevenir a diarreia e, consequentemente, a desidratação:

  • Lavar as mãos com água e sabão frequentemente, especialmente antes de preparar alimentos, antes de alimentar a criança e após usar o banheiro ou trocar fraldas.
  • Garantir a higiene no preparo dos alimentos e da água oferecida à criança.
  • Promoção do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e continuado até 2 anos ou mais.

O manejo integrado, com foco na hidratação adequada, nutrição contínua, suplementação quando indicada, vigilância para sinais de alerta e medidas preventivas, é a chave para o sucesso no tratamento da desidratação pediátrica e para a promoção da saúde infantil.

Dominar a classificação da desidratação pediátrica e os nuances dos Planos A, B e C é fundamental para qualquer profissional ou cuidador dedicado à saúde infantil. Desde a prevenção e manejo domiciliar com o Plano A, passando pela reidratação oral supervisionada do Plano B, até a intervenção emergencial do Plano C, cada etapa exige conhecimento, atenção e prontidão. Esperamos que este guia tenha fortalecido sua compreensão e habilidades para enfrentar este desafio clínico com segurança e eficácia.

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