A Doença Trofoblástica Gestacional (DTG) abrange um espectro de condições raras e complexas, originadas no tecido que formaria a placenta. Para profissionais de saúde e pacientes, navegar por este tema pode ser desafiador, oscilando entre o diagnóstico de uma "gravidez molar" benigna e o manejo de uma neoplasia maligna. Este guia foi elaborado para desmistificar a DTG, oferecendo um roteiro claro e coeso que vai desde a identificação dos primeiros sinais de alerta até as estratégias de tratamento e seguimento mais atuais. Nosso objetivo é capacitar você com conhecimento preciso e prático, transformando a incerteza em ação informada e garantindo a melhor conduta em cada etapa dessa jornada.
O Que é Doença Trofoblástica Gestacional (DTG)?
A Doença Trofoblástica Gestacional (DTG) representa um grupo de tumores ligados a uma gestação, caracterizados por uma proliferação anormal das células que formariam a placenta – o tecido trofoblástico. A raiz do problema está em uma falha na fertilização, que leva esse tecido a crescer de forma descontrolada. Essa proliferação explica os sinais clássicos da doença, como o crescimento uterino maior que o esperado e a produção de níveis extremamente elevados do hormônio hCG (gonadotrofina coriônica humana).
É crucial entender que a DTG não é uma única doença, mas um espectro que inclui:
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Formas Benignas (Mola Hidatiforme): É a apresentação mais comum, correspondendo a cerca de 80% dos casos. Conhecida como "gravidez molar", ocorre quando o tecido placentário se desenvolve como uma massa de cistos, com aspecto de "cachos de uva" na ultrassonografia.
- Mola Hidatiforme Completa (MHC): Geralmente não há formação de feto, pois todo o material genético é de origem paterna. Apresenta um risco maior (15-20%) de evoluir para uma forma maligna.
- Mola Hidatiforme Parcial (MHP): Pode haver o desenvolvimento de um feto, mas ele é inviável. O risco de malignização é significativamente menor (<5%).
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Formas Malignas (Neoplasia Trofoblástica Gestacional - NTG): Ocorrem quando as células trofoblásticas anormais persistem, invadem o músculo uterino ou se espalham para outros órgãos. Embora raras, são altamente curáveis com quimioterapia. As NTGs incluem:
- Mola Invasora: A forma maligna mais comum, onde o tecido molar invade a parede muscular do útero (miométrio).
- Coriocarcinoma: Um câncer agressivo que pode se disseminar rapidamente pelo sangue, surgindo após uma mola, aborto, gravidez ectópica ou até uma gestação a termo.
- Tumor Trofoblástico do Sítio Placentário (TTSP) e Tumor Trofoblástico Epitelioide (TTE): Formas extremamente raras, menos sensíveis à quimioterapia.
Sinais de Alerta e Diagnóstico Clínico da DTG
A DTG pode se manifestar de maneiras variadas, mas certos sinais clássicos devem acender o alerta para uma investigação aprofundada.
- Sangramento Vaginal: É o sintoma mais comum (80-90% dos casos), tipicamente na primeira metade da gestação. Pode ser escuro, semelhante a "borra de café". A eliminação de vesículas (pequenas estruturas como "cachos de uva") é rara, mas confirma o diagnóstico de mola hidatiforme.
- Crescimento Uterino Desproporcional: Um útero maior que o esperado para a idade gestacional é um sinal clássico, especialmente na mola completa.
- Níveis de Beta-hCG Exageradamente Elevados: Níveis séricos muito acima do esperado, frequentemente ultrapassando 100.000 mUI/mL, são fortemente sugestivos.
- Hiperêmese Gravídica: Náuseas e vômitos graves e incoercíveis, que levam à perda de peso e desidratação, estão diretamente ligados aos níveis estratosféricos de beta-hCG.
- Pré-eclâmpsia de Início Precoce: O surgimento de hipertensão, proteinúria e edema antes da 20ª semana de gestação é um forte indicativo de DTG.
- Cistos Teca-Luteínicos: A hiperestimulação dos ovários pelo alto nível de beta-hCG pode formar cistos grandes e bilaterais. Eles são benignos e regridem espontaneamente após o tratamento, não necessitando de abordagem cirúrgica.
A suspeita clínica é confirmada pela ultrassonografia, que revela uma imagem característica de "flocos de neve" ou "tempestade de neve", e pela dosagem quantitativa do beta-hCG. O diagnóstico definitivo, contudo, é sempre histopatológico, obtido pela análise do material coletado após o esvaziamento uterino.
Neoplasia Trofoblástica Gestacional (NTG): Diagnóstico, Estadiamento e Risco
Enquanto a mola hidatiforme é benigna, a Neoplasia Trofoblástica Gestacional (NTG) é sua contraparte maligna. O diagnóstico de NTG pós-molar é estabelecido pelo monitoramento dos níveis de beta-hCG após o tratamento inicial. A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) estabeleceu critérios claros, e a presença de apenas um dos seguintes é suficiente para o diagnóstico:
- Platô de hCG: Níveis estáveis (variação <10%) em quatro medições ao longo de três semanas.
- Elevação de hCG: Aumento (>10%) em três medições ao longo de duas semanas.
- Persistência de hCG: Níveis detectáveis por mais de 6 meses após o esvaziamento molar.
- Diagnóstico Histológico: Confirmação de coriocarcinoma em uma amostra de tecido.
- Doença Metastática: Evidência de metástases em exames de imagem.
Uma vez confirmado o diagnóstico, o passo seguinte é o estadiamento anatômico e a classificação de risco, que guiam o tratamento.
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Estadiamento FIGO (Localização):
- Estádio I: Doença restrita ao útero.
- Estádio II: Doença fora do útero, mas limitada às estruturas genitais.
- Estádio III: Metástases pulmonares.
- Estádio IV: Metástases em outros locais (fígado, cérebro).
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Sistema de Pontuação de Risco Prognóstico: Avalia fatores como idade, hCG e metástases, classificando a paciente em:
- NTG de Baixo Risco: Tratada com quimioterapia de agente único.
- NTG de Alto Risco: Requer quimioterapia combinada mais intensiva.
Essa classificação é vital para personalizar o tratamento, maximizando as chances de cura, que podem chegar a 99%.
Abordagens de Tratamento: Do Esvaziamento Uterino à Quimioterapia
O tratamento da DTG é personalizado conforme o diagnóstico. A detecção precoce e a conduta adequada são cruciais para a cura e, na maioria dos casos, para a preservação da fertilidade.
Tratamento da Mola Hidatiforme
Para a mola hidatiforme, o tratamento primário é o esvaziamento completo da cavidade uterina. O método de escolha é a aspiração a vácuo, por apresentar menor risco de perfuração, hemorragia e embolização de tecido trofoblástico em comparação com a curetagem tradicional.
Manejo da Neoplasia Trofoblástica Gestacional (NTG)
Quando a doença persiste e se torna uma NTG, o tratamento é sistêmico e guiado pela estratificação de risco da FIGO.
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NTG de Baixo Risco (Escore FIGO ≤ 6): O tratamento de escolha é a monoquimioterapia. O Metotrexato (MTX) é o agente preferencial, com a Actinomicina D (ACTD) como alternativa. Após a negativação do hCG, realizam-se ciclos adicionais de consolidação para reduzir o risco de recidiva. A histerectomia pode ser considerada em pacientes com prole definida.
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NTG de Alto Risco (Escore FIGO > 6): A abordagem é mais agressiva, com poliquimioterapia. O esquema mais eficaz é o EMA-CO (Etoposide, Metotrexato, Actinomicina D, Ciclofosfamida, Vincristina/Oncovin), que resulta em altas taxas de sobrevida mesmo em casos avançados como o coriocarcinoma.
Seguimento Pós-Tratamento: A Chave para a Cura e a Vigilância
O tratamento inicial é apenas o primeiro passo. A fase de seguimento é a mais crítica para garantir a remissão completa e detectar precocemente qualquer sinal de persistência ou malignização.
O hormônio beta-hCG é o marcador tumoral essencial. Após o tratamento, seus níveis devem ser monitorados rigorosamente:
- Semanalmente: Até obter três resultados negativos consecutivos.
- Mensalmente: Após a negativação, o acompanhamento continua por, no mínimo, 6 meses.
Uma curva de beta-hCG em queda constante indica uma evolução favorável. Qualquer desvio desta curva — como um platô ou elevação nos níveis, conforme os critérios da FIGO — sinaliza a forte suspeita de NTG e a necessidade de iniciar o tratamento quimioterápico.
Durante todo o período de monitoramento, a contracepção eficaz é obrigatória. Uma nova gravidez produziria beta-hCG, tornando impossível diferenciar uma gestação normal da recorrência da doença, o que poderia atrasar um tratamento que salva vidas. Os contraceptivos hormonais orais são a escolha mais comum e segura.
A jornada através do diagnóstico e tratamento da Doença Trofoblástica Gestacional, embora complexa, é marcada por uma mensagem de esperança: com vigilância, estadiamento preciso e terapia direcionada, as taxas de cura são extremamente altas. A compreensão clara do espectro da doença, desde a mola hidatiforme até a NTG, e a adesão rigorosa ao seguimento pós-tratamento são os pilares que sustentam o sucesso terapêutico, permitindo que a maioria das pacientes retome suas vidas e preserve sua saúde reprodutiva.
Agora que você explorou este guia completo, que tal testar seus conhecimentos? Desafie-se com as questões que preparamos sobre os pontos cruciais do manejo da Doença Trofoblástica Gestacional.