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Guia Completo

Endocardite Infecciosa Descomplicada: Diagnóstico, Critérios de Duke e Tratamento Atualizado

Por ResumeAi Concursos
Válvula cardíaca com vegetações bacterianas, diagnóstico de endocardite infecciosa.

Neste guia essencial, mergulhamos na Endocardite Infecciosa (EI), uma infecção cardíaca grave que exige diagnóstico ágil e manejo preciso. Como seu editor, apresento uma análise aprofundada, desde a compreensão da doença, seus fatores de risco e agentes causadores, até a aplicação dos Critérios de Duke e as estratégias terapêuticas e preventivas mais atuais. Este material foi cuidadosamente elaborado para capacitar profissionais de saúde e estudantes a enfrentar a EI com conhecimento robusto e confiança, visando sempre o melhor desfecho para o paciente.

Entendendo a Endocardite Infecciosa: O Que É e Por Que se Preocupar?

A Endocardite Infecciosa (EI) é uma infecção que atinge o revestimento interno do coração, chamado endocárdio. Embora possa afetar qualquer parte desta camada, ela tem uma predileção especial pelas válvulas cardíacas, estruturas delicadas e vitais para o bom funcionamento do nosso motor central. Imagine um invasor microscópico – uma bactéria ou, menos comumente, um fungo – que consegue se fixar e proliferar em um local tão crítico. Essa é a essência da EI. O acometimento das válvulas cardíacas é mais comum do que o do endocárdio atrial ou ventricular.

Mas por que a Endocardite Infecciosa merece tanta atenção? Simplesmente porque é uma condição grave, com potencial para complicações sérias e até fatais. A infecção pode destruir o tecido valvar, levando à insuficiência valvar (quando a válvula não fecha corretamente, permitindo o refluxo de sangue) e, consequentemente, à insuficiência cardíaca. É importante notar que a EI tipicamente causa destruição e insuficiência, e não estenose (estreitamento) valvar. Além disso, fragmentos da infecção podem se desprender e viajar pela corrente sanguínea, causando obstruções e infecções à distância (fenômeno conhecido como embolia séptica). Por isso, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são cruciais e podem salvar vidas.

Como a Infecção se Instala: A Formação das Vegetações

O desenvolvimento da EI geralmente requer a confluência de dois fatores principais: uma lesão na superfície interna do coração e a presença de microrganismos na corrente sanguínea. O processo pode ser entendido nos seguintes passos:

  1. Lesão Endotelial: Tudo começa, na maioria das vezes, com uma pequena lesão na superfície do endocárdio. Isso pode ocorrer em válvulas cardíacas já doentes (por febre reumática, malformações congênitas, alterações degenerativas), em válvulas artificiais (protéticas) ou mesmo devido ao fluxo sanguíneo turbulento dentro do coração. Procedimentos invasivos, como cirurgias cardíacas, uso de cateteres intravenosos prolongados, ou até mesmo procedimentos dentários em pessoas com predisposição, podem criar essa porta de entrada ou danificar o endotélio.
  2. Bacteremia (ou Fungemia): Microrganismos, geralmente bactérias, entram na corrente sanguínea. Isso é chamado de bacteremia (ou fungemia, no caso de fungos). Pode acontecer durante os procedimentos mencionados, a partir de infecções em outras partes do corpo (como pele, trato urinário) ou, em um contexto específico e de alto risco, pelo uso de drogas injetáveis com material contaminado.
  3. Adesão e Colonização: Se houver uma lesão endotelial prévia, os microrganismos circulantes podem aderir a esse local danificado, que frequentemente já possui um pequeno trombo de plaquetas e fibrina (endocardite trombótica não bacteriana). Ali, eles começam a se multiplicar, protegidos por esse ambiente.
  4. Formação da Vegetação: No local da infecção, forma-se uma estrutura característica e fundamental da EI, chamada vegetação. Esta não é uma estrutura vegetal, mas sim um aglomerado complexo composto por:
    • Plaquetas
    • Fibrina (uma proteína envolvida na coagulação)
    • Os próprios microrganismos invasores
    • Células inflamatórias

Essa vegetação é o foco ativo da infecção, um biofilme que protege os microrganismos da ação do sistema imunológico do hospedeiro e da penetração de antibióticos. Além disso, as vegetações são friáveis e podem se fragmentar, sendo a principal fonte de êmbolos.

Os Principais Agentes Causadores (Etiologia)

A grande maioria dos casos de EI é causada por bactérias. Os grupos mais comuns incluem:

  • Staphylococcus aureus: Um patógeno frequentemente agressivo, comum em infecções de pele, usuários de drogas injetáveis e infecções associadas a dispositivos médicos como cateteres. É o agente mais comum de forma geral na EI e frequentemente associado à EI aguda. A resistência à meticilina (MRSA - Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus) é uma preocupação crescente.
  • Estreptococos do grupo Viridans: Bactérias (ex: S. mitis, S. salivarium, S. mutans) que normalmente habitam a cavidade oral e o trato gastrointestinal. Podem causar EI, classicamente após procedimentos dentários que resultem em bacteremia transitória, especialmente em indivíduos com válvulas cardíacas anormais, sendo causa comum de EI subaguda.
  • Streptococcus gallolyticus (anteriormente S. bovis): Sua presença pode estar associada a lesões no trato gastrointestinal, como pólipos ou câncer de cólon.
  • Enterococos: Habitantes do trato gastrointestinal e geniturinário, podem causar EI após procedimentos nesses sistemas ou em pacientes hospitalizados. São o terceiro grupo bacteriano mais frequente.
  • Estafilococos Coagulase-Negativos (ECN) (ex: Staphylococcus epidermidis): Componentes da flora normal da pele, são causa importante de EI em valvas protéticas (especialmente a forma precoce) e em infecções associadas a dispositivos intracardíacos.
  • Grupo HACEK: Um acrônimo para um grupo de bactérias Gram-negativas fastidiosas (Haemophilus spp., Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens, Kingella kingae) que, embora menos comuns, são causas conhecidas de EI, por vezes associadas a hemoculturas que demoram a positivar ou permanecem negativas, geralmente de curso subagudo.

Fungos, como as espécies de Candida e Aspergillus, também podem causar EI, embora sejam menos frequentes. São mais comuns em pacientes imunocomprometidos, usuários de drogas injetáveis, portadores de próteses valvares ou após cirurgias cardíacas prolongadas.

Diferentes Faces da Mesma Doença: Classificação da EI

A Endocardite Infecciosa não é uma doença uniforme e pode ser classificada de acordo com diferentes aspectos para melhor compreensão e manejo:

  • Quanto à evolução clínica e virulência do patógeno:

    • EI Aguda: Desenvolve-se rapidamente (dias a poucas semanas), costuma ser causada por microrganismos mais virulentos (como Staphylococcus aureus) e se manifesta de forma abrupta com febre alta, calafrios, prostração intensa e um quadro de infecção grave (toxemia), podendo levar rapidamente à destruição valvar.
    • EI Subaguda: Tem um início mais insidioso e uma progressão lenta (semanas a meses). Os sintomas podem ser mais sutis e arrastados, como febre baixa persistente, fadiga, sudorese noturna, perda de peso e mal-estar geral. Frequentemente é causada por bactérias de menor virulência, como os Estreptococos do grupo Viridans, em válvulas previamente danificadas.
  • Quanto ao tipo de válvula acometida e circunstâncias:

    • EI de Válvula Nativa (EVN): Ocorre em válvulas cardíacas naturais do paciente. As válvulas do lado esquerdo do coração (mitral e aórtica) são as mais frequentemente acometidas na maioria dos casos de EVN.
    • EI de Válvula Protética (EVP): Afeta válvulas cardíacas artificiais (próteses). A EVP é uma complicação temida e pode ser classificada temporalmente em relação à cirurgia de implantação da prótese:
      • Precoce: Ocorre logo após a cirurgia de troca valvar. Geralmente se considera precoce a EI que surge nos primeiros 2 meses após o procedimento, embora algumas classificações possam estender este período até 1 ano. A infecção costuma estar relacionada a complicações perioperatórias ou contaminação durante a cirurgia.
      • Tardia: Manifesta-se após esse período inicial (tipicamente após 2 meses da cirurgia, ou após 1 ano para outras classificações). A etiologia da EVP tardia tende a se assemelhar mais à da EVN.
    • EI em Usuários de Drogas Injetáveis (UDI): Apresenta particularidades, como o acometimento frequente da válvula tricúspide (lado direito do coração) e o Staphylococcus aureus como principal agente.

Entender o que é a Endocardite Infecciosa, como ela se desenvolve e suas diferentes formas de apresentação é o primeiro passo para reconhecer sua gravidade. A complexidade dessa infecção e seu potencial destrutivo reforçam a necessidade de vigilância constante, profilaxia em grupos de risco e ação diagnóstica e terapêutica rápida e assertiva.

Fatores de Risco e Agentes Infecciosos: Quem Desenvolve Endocardite e Por Quê?

A Endocardite Infecciosa (EI) não escolhe suas vítimas ao acaso. Certos indivíduos e circunstâncias aumentam significativamente a probabilidade de desenvolver esta grave infecção.

Quem está em Maior Risco? Os Fatores Predisponentes

Diversas condições podem tornar o coração mais vulnerável à infecção:

  1. Condições Cardíacas Estruturais e de Alto Risco:

    • Presença de Prótese Valvar: Qualquer tipo de válvula cardíaca artificial (mecânica ou biológica) representa um risco elevado.
    • Episódio Prévio de Endocardite Infecciosa: Ter tido EI anteriormente aumenta drasticamente a chance de um novo episódio. Este é um dos fatores de risco mais significativos.
    • Cardiopatias Congênitas:
      • Cianóticas não corrigidas: Condições como Tetralogia de Fallot, Transposição de Grandes Artérias, entre outras.
      • Cardiopatia congênita corrigida com material protético: O risco é maior nos primeiros seis meses após o procedimento cirúrgico. Se houver um shunt residual (comunicação anormal) ou insuficiência valvar persistente adjacente ao material protético, o risco permanece elevado por toda a vida.
    • Outras Lesões Valvares: Doenças como a valva aórtica bicúspide, valvopatia reumática, prolapso de valva mitral com regurgitação ou espessamento dos folhetos, e outras doenças valvares adquiridas ou congênitas podem predispor à EI.
    • Cardiomiopatia Hipertrófica.
  2. Uso de Drogas Injetáveis (UDI):

    • Este é um fator de risco independente e muito importante. A prática de injetar drogas diretamente na corrente sanguínea pode introduzir bactérias da pele ou de agulhas contaminadas.
    • Em UDIs, a valva tricúspide é frequentemente a mais afetada.
  3. Procedimentos Invasivos e Dispositivos Intracardíacos:

    • Procedimentos Odontológicos: Aqueles que envolvem manipulação da gengiva, da região periapical dos dentes ou perfuração da mucosa oral podem causar bacteremia transitória.
    • Cateteres Venosos Centrais e Dispositivos Intracardíacos: Cateteres de longa permanência, marca-passos, desfibriladores implantáveis.
  4. Outras Condições:

    • Condições que predispõem à bacteremia frequente ou persistente.
    • Em crianças, a EI ocorre com maior frequência em portadores de anomalias cardíacas congênitas ou adquiridas.

Agentes Infecciosos Comuns em Diferentes Cenários Clínicos

Como visto, diversos microrganismos podem causar EI. A probabilidade de um agente específico varia conforme o perfil do paciente e o tipo de valva acometida:

  • Endocardite em Valva Nativa (EVN):
    • Aguda: Predomínio de S. aureus.
    • Subaguda: Predomínio de Streptococcus do grupo viridans e Enterococcus spp.
  • Endocardite em Valva Protética (EVP):
    • Precoce (geralmente < 1 ano após a cirurgia, alguns consideram < 2 meses): S. aureus é o mais comum, seguido por Estafilococos Coagulase-Negativos (como S. epidermidis). Reflete, muitas vezes, contaminação perioperatória.
    • Tardia (> 1 ano após a cirurgia): O perfil microbiológico se assemelha ao da EVN, com Streptococcus spp. sendo os mais frequentes, seguidos por S. aureus e Enterococcus spp.
  • Endocardite em Usuários de Drogas Injetáveis (UDI):
    • S. aureus é o agente predominante, comumente afetando a valva tricúspide. Streptococcus e Enterococcus são menos comuns neste grupo, mas podem ocorrer, assim como infecções polimicrobianas ou por patógenos incomuns, incluindo Pseudomonas aeruginosa e fungos.
  • Endocardite Associada a Procedimentos Odontológicos:
    • Streptococcus do grupo viridans, provenientes da flora oral, são os principais vilões.

É importante notar que vírus não são considerados agentes causadores de Endocardite Infecciosa. Conhecer esses fatores de risco e os patógenos mais prováveis em cada contexto clínico é fundamental para guiar a suspeita diagnóstica, a solicitação de exames e a escolha da terapia antimicrobiana empírica inicial.

Reconhecendo a Ameaça: Sinais, Sintomas e Suspeita Clínica da Endocardite Infecciosa

A Endocardite Infecciosa (EI) pode se manifestar de formas variadas, tornando seu reconhecimento um desafio. Dada a sua potencial letalidade, uma alta suspeição clínica é crucial. O quadro clínico pode variar desde apresentações agudas e fulminantes até formas subagudas, com evolução mais insidiosa.

Os sintomas iniciais da EI são frequentemente inespecíficos. A febre é o sintoma mais comum (até 90% dos pacientes), podendo ser persistente, intermitente, acompanhada de calafrios, sudorese noturna, anorexia e perda de peso. Mal-estar geral, fadiga intensa e prostração também são queixas frequentes.

As manifestações cardíacas são pilares para a suspeita. O surgimento de um sopro cardíaco novo ou a modificação de um sopro preexistente são achados cardinais. A EI pode levar a disfunções valvares agudas, como insuficiências, desencadeando quadros de insuficiência cardíaca com dispneia, ortopneia e edema.

Os fenômenos periféricos, resultantes de processos embólicos ou imunológicos, são altamente sugestivos:

  • Fenômenos Embólicos (Vasculares):

    • Lesões de Janeway: Máculas ou pápulas pequenas, eritematosas ou hemorrágicas, indolores, nas palmas e plantas.
    • Embolias arteriais: Podem afetar cérebro (AVC), baço, rins, membros.
    • Hemorragias subungueais (em chama de vela).
    • Petéquias: Na pele, mucosas ou retina.
  • Fenômenos Imunológicos:

    • Nódulos de Osler: Nódulos pequenos, eritematosos, dolorosos, nas polpas digitais.
    • Manchas de Roth: Hemorragias ovais na retina com centro pálido.
    • Glomerulonefrite: Pode causar hematúria e insuficiência renal.
    • Fator reumatoide positivo.
    • Esplenomegalia.

A suspeita clínica deve ser elevada em pacientes com fatores de risco conhecidos. A apresentação pode ser aguda ou subaguda. A febre inexplicada associada a um novo sopro cardíaco ou a fenômenos embólicos/imunológicos deve sempre levantar a hipótese de EI, impulsionando a investigação diagnóstica.

Os Critérios de Duke Modificados: Pilar Fundamental no Diagnóstico da Endocardite Infecciosa

Para objetividade no diagnóstico da Endocardite Infecciosa (EI), os Critérios de Duke Modificados são a ferramenta fundamental, combinando achados clínicos, microbiológicos e de imagem, atualizados recentemente em 2023.

Eles classificam os achados em Maiores e Menores:

Critérios Maiores

  1. Hemoculturas Positivas para Endocardite Infecciosa:

    • Microrganismos típicos (ex: Streptococcus viridans, S. gallolyticus, grupo HACEK, S. aureus comunitário sem foco primário, Enterococcus faecalis comunitário sem foco primário, S. lugdunensis) isolados em ≥2 hemoculturas distintas.
    • Microrganismos consistentes com EI isolados em hemoculturas persistentemente positivas (conforme definições específicas de tempo e número de amostras).
    • Uma única hemocultura positiva para Coxiella burnetii ou título de anticorpos IgG antifase I >1:800.
    • Técnicas moleculares (PCR, metagenômica) em sangue ou tecido valvar em situações específicas (atualização 2023).
  2. Evidência de Envolvimento Endocárdico:

    • Ecocardiograma positivo para EI:
      • Vegetação: massa oscilante intracardíaca.
      • Abscesso, pseudoaneurisma ou fístula intracardíaca.
      • Nova deiscência parcial de prótese valvar.
      • Nova regurgitação valvar (documentada por ecocardiograma; piora de sopro não é suficiente). O ETE é superior ao ETT em muitos casos.
    • Achados em outros exames de imagem (atualização 2023):
      • Atividade metabólica anormal por PET/CT com [18F]FDG ao redor de prótese valvar (>3 meses pós-implante).
      • Lesões paravalvares por TC cardíaca.
    • Critério cirúrgico: Evidência de EI por inspeção direta durante cirurgia.
  3. Novo Sopro Valvar: (O desenvolvimento de um novo sopro de regurgitação valvar. A piora ou mudança de um sopro preexistente não é suficiente por si só e deve ser confirmada por imagem como nova regurgitação).

Critérios Menores

  1. Condição Cardíaca Predisponente ou Uso de Drogas Injetáveis (UDI).
  2. Febre: Temperatura ≥ 38°C.
  3. Fenômenos Vasculares: Êmbolos arteriais maiores, infartos pulmonares sépticos, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragias conjuntivais, lesões de Janeway.
  4. Fenômenos Imunológicos: Glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide positivo.
  5. Evidência Microbiológica que não preenche Critério Maior: (Ex: hemocultura positiva que não atende aos critérios maiores, ou sorologia para Coxiella burnetii com IgG <1:800).
  6. Achados de Imagem que não preenchem Critério Maior (atualização 2023): (Ex: atividade em PET/CT <3 meses pós-implante de prótese, sem outra evidência definitiva).

Como as Combinações Levam ao Diagnóstico

O diagnóstico de Endocardite Infecciosa Definitiva é estabelecido por:

  • 2 Critérios Maiores; OU
  • 1 Critério Maior e 3 Critérios Menores; OU
  • 5 Critérios Menores.

Endocardite Infecciosa Possível aplica-se a casos com achados sugestivos que não preenchem os requisitos para diagnóstico definitivo. Casos que não se encaixam ou têm diagnóstico alternativo são classificados como Endocardite Infecciosa Rejeitada. A aplicação rigorosa e atualizada dos Critérios de Duke Modificados é essencial.

A Investigação Diagnóstica Detalhada: Exames Laboratoriais e de Imagem na Endocardite

Confirmar a Endocardite Infecciosa (EI), identificar o agente e avaliar o dano cardíaco requer uma investigação detalhada, com hemoculturas e ecocardiograma como pilares.

Hemoculturas: A Chave para Identificar o Inimigo

A hemocultura é o exame mais importante para identificar o agente etiológico da EI, direcionando a antibioticoterapia.

  • Coleta e Interpretação: Coletar três a cinco amostras de sangue de sítios diferentes, com intervalo de 30-60 minutos, antes da antibioticoterapia. Volume adequado (10 mL/frasco em adultos) é essencial. Múltiplas culturas positivas para microrganismos típicos são altamente sugestivas.

  • Desafios Diagnósticos:

    • Endocardite Infecciosa com Cultura Negativa (EICN): Ocorre em 5-20% dos casos, frequentemente por uso prévio de antibióticos, ou infecções por microrganismos fastidiosos ou intracelulares.
    • Grupo HACEK: Historicamente associado à EICN, mas técnicas modernas melhoraram sua detecção.
    • Outros Patógenos: Em EICN, considerar Coxiella burnetii, Bartonella spp., Brucella spp., Tropheryma whipplei, fungos, micobactérias (requerem sorologias ou técnicas moleculares).

Ecocardiograma: Visualizando o Coração Infectado

O ecocardiograma é o principal exame de imagem para diagnóstico e avaliação da EI.

  • Ecocardiograma Transtorácico (ETT):

    • Primeiro exame, não invasivo. Pode identificar vegetações maiores, disfunção valvar, avaliar função ventricular.
    • Sensibilidade limitada (40-60%). Um ETT negativo não exclui EI se a suspeita clínica for alta.
  • Ecocardiograma Transesofágico (ETE):

    • Maior sensibilidade (>90%) para vegetações (especialmente pequenas, em próteses) e complicações (abscessos, fístulas, deiscência de próteses).
    • Indicado se ETT negativo/inconclusivo com alta suspeita, em todos com próteses valvares e suspeita de EI, e para avaliação pré-operatória. Frequentemente recomendado em bacteremia por S. aureus.
  • Achados Ecocardiográficos (Critérios Maiores de Duke): Vegetação, abscesso, nova deiscência parcial de prótese valvar, nova regurgitação valvar.

Outros Exames Laboratoriais Complementares

  • Hemograma completo: Pode mostrar leucocitose, anemia normocítica normocrômica, trombocitopenia, mas um hemograma normal não descarta EI.
  • Marcadores de inflamação: Proteína C Reativa (PCR) e Velocidade de Hemossedimentação (VHS) frequentemente elevadas, mas inespecíficas.

Outros Exames de Imagem

  • Radiografia de tórax: Pode mostrar cardiomegalia, sinais de IC, embolia pulmonar séptica.
  • Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM): Úteis para complicações embólicas sistêmicas ou avaliação de abscessos para-cardíacos.

A combinação criteriosa desses exames, interpretados clinicamente, é essencial para o diagnóstico e manejo da EI.

Estratégias Terapêuticas na Endocardite Infecciosa: Tratamento Antimicrobiano e Cirúrgico

O tratamento da Endocardite Infecciosa (EI) é uma corrida contra o tempo, combinando terapia antimicrobiana prolongada e em altas doses com possível intervenção cirúrgica.

Terapia Antimicrobiana: A Linha de Frente

A antibioticoterapia deve ser iniciada rapidamente após suspeita e coleta de hemoculturas.

  1. Terapia Empírica:

    • Visa cobrir os agentes mais prováveis, considerando tipo de valva, fatores de risco e epidemiologia. Para EI em valva nativa comunitária, esquemas cobrindo Staphylococcus aureus, Estreptococos e Enterococos são comuns (ex: Oxacilina ou Vancomicina +/- Gentamicina, ou Ceftriaxona). Para EI em valva protética (especialmente precoce) ou associada a cuidados de saúde, o espectro é mais amplo (ex: Vancomicina + Gentamicina + Rifampicina).
  2. Terapia Direcionada pelo Agente:

    • Ajustada após identificação do patógeno e antibiograma.
    • Staphylococcus aureus: Oxacilina (MSSA) ou Vancomicina (MRSA) por 4-6 semanas.
    • Estafilococos Coagulase-Negativo (ECN): Frequentemente Vancomicina.
    • Streptococcus spp.: Penicilina G ou Ceftriaxona para cepas sensíveis.
    • Enterococcus spp.: Terapia combinada (ex: Ampicilina + Gentamicina ou Vancomicina + Gentamicina).
    • Importante: Fluoroquinolonas e cloranfenicol não são opções adequadas.
  3. Duração do Tratamento:

    • Geralmente 4 a 6 semanas.

Tratamento Cirúrgico: Quando os Antibióticos Não Bastam

A cirurgia cardíaca (reparo ou substituição valvar) é vital em situações específicas:

  • Insuficiência Cardíaca (IC) Refratária: Indicação mais comum e urgente.
  • Infecção Não Controlada: Persistência de febre e bacteremia (>7-10 dias de antibióticos apropriados), ou patógenos difíceis (fungos, multirresistentes).
  • Prevenção de Embolia Sistêmica: Vegetações grandes (>10 mm) com alto risco, ou embolias recorrentes.
  • Complicações Locais: Abscessos, fístulas, deiscência de prótese, novos distúrbios de condução (ex: BAVT).
  • Endocardite Fúngica: Quase sempre requer cirurgia.
  • Endocardite em Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI): Remoção completa do sistema é geralmente necessária.

Manejo das Complicações

  • Insuficiência Cardíaca: Manejo clínico inicial, mas correção cirúrgica é frequentemente definitiva.
  • Eventos Embólicos:
    • AVC Isquêmico: Anticoagulação terapêutica controversa e geralmente evitada na fase aguda.
    • Embolizações para outros órgãos: Intervenções específicas.
  • Aneurismas Micóticos: Vigilância e, por vezes, intervenção.
  • Glomerulonefrite por Imunocomplexos: Resolve com a erradicação da infecção.

O sucesso depende do diagnóstico precoce, terapia antimicrobiana correta e cirurgia oportuna, com abordagem multidisciplinar.

Prevenção da Endocardite Infecciosa: Quando e Como Realizar a Profilaxia?

A prevenção da Endocardite Infecciosa (EI) é crucial para pacientes de risco. A profilaxia antibiótica antes de certos procedimentos é indicada para um grupo específico, equilibrando proteção e resistência antimicrobiana.

Quem Realmente Precisa de Profilaxia? Identificando Pacientes de Alto Risco

A profilaxia é reservada para pacientes com condições cardíacas de alto risco:

  • Portadores de próteses valvares cardíacas (incluindo material para reparo valvar).
  • Pacientes com história prévia de Endocardite Infecciosa.
  • Pacientes com certas cardiopatias congênitas (CC):
    • CC cianótica não reparada ou com reparos paliativos.
    • CC completamente reparada com material protético (cirúrgico ou por cateter), nos primeiros seis meses pós-procedimento.
    • CC reparada com defeitos residuais adjacentes a material protético (profilaxia por toda a vida).
  • Receptores de transplante cardíaco que desenvolvem valvopatia com regurgitação valvar.

Condições como CIA isolada ou prolapso de valva mitral sem regurgitação significativa geralmente não indicam profilaxia rotineira. As diretrizes brasileiras podem ser mais abrangentes, incluindo lesões significativas em valva nativa.

Procedimentos que Exigem Atenção: Quando a Profilaxia é Indicada?

Para pacientes de alto risco submetidos a procedimentos com maior chance de bacteremia por microrganismos da EI:

  • Procedimentos Odontológicos: Principal foco. Todos os procedimentos dentários que envolvam manipulação do tecido gengival, região periapical dos dentes ou perfuração da mucosa oral (ex: extrações, procedimentos periodontais, implantes, instrumentação endodôntica além do ápice).
  • Procedimentos do Trato Respiratório: Invasivos com incisão/biópsia da mucosa (ex: amigdalectomia, broncoscopia com biópsia).
  • Procedimentos em Pele ou Tecidos Musculoesqueléticos Infectados.

Como Realizar a Profilaxia: Regimes Antibióticos Recomendados

Dose única, 30-60 minutos antes do procedimento:

  • Primeira Escolha (sem alergia à penicilina):
    • Amoxicilina: 2 gramas VO.
  • Alternativas (alergia à penicilina/ampicilina):
    • Clindamicina: 600 mg VO.
    • Azitromicina ou Claritromicina: 500 mg VO.
    • Cefalexina: 2 gramas VO (evitar se história de anafilaxia com penicilinas).

Alternativas parenterais (ampicilina, cefazolina, clindamicina) se via oral não for possível.

A Base da Prevenção: Higiene Oral Impecável

A manutenção de excelente higiene oral e saúde dentária é crucial para todos, especialmente os em risco de EI, para reduzir bacteremias diárias e o risco basal da doença.

A profilaxia da EI é uma estratégia direcionada para proteger pacientes de maior risco, seguindo diretrizes atuais e promovendo saúde oral rigorosa.

Dominar a Endocardite Infecciosa, desde o reconhecimento de seus sinais sutis até a aplicação criteriosa dos protocolos de tratamento e profilaxia, é uma habilidade indispensável na prática médica. Esperamos que este guia detalhado tenha fortalecido sua compreensão sobre a patogênese, diagnóstico pelos Critérios de Duke, e as abordagens terapêuticas atuais, capacitando-o a tomar decisões clínicas mais seguras e eficazes. A luta contra a EI é contínua, mas o conhecimento atualizado é nossa principal ferramenta.

Agora que você explorou os múltiplos aspectos da Endocardite Infecciosa, que tal solidificar seu aprendizado? Convidamos você a testar seus conhecimentos com nossas Questões Desafio, preparadas especialmente para complementar este estudo!