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Análise Profunda

Hematúria Glomerular: Como Identificar Sinais e Fazer o Diagnóstico Diferencial

Por ResumeAi Concursos
Cilindro hemático e hemácias dismórficas, sinais característicos da hematúria glomerular no sedimento urinário.

A fita reagente acusa "sangue" na urina. E agora? Para o clínico, este achado comum é o ponto de partida de uma investigação que pode levar a caminhos diagnósticos radicalmente diferentes, desde uma simples infecção urinária até uma complexa doença glomerular. A chave para uma conduta eficiente e precisa não está em exames de imagem caros ou procedimentos invasivos imediatos, mas sim em uma análise metódica dos sinais clínicos e, principalmente, dos achados microscópicos da urina. Este guia foi elaborado para capacitar você, profissional de saúde, a dominar essa bifurcação diagnóstica, transformando a suspeita em uma ação clínica direcionada e assertiva.

Fundamentos da Hematúria: O Que é e Por Que a Origem Importa?

Hematúria é a presença de sangue na urina, classicamente definida no laboratório pela presença de mais de 2 a 5 hemácias por campo de grande aumento (CGA) no exame de sedimento urinário. Pode se manifestar de duas formas:

  • Macroscópica: Sangue visível a olho nu, que tinge a urina de vermelho, rosa ou marrom ("cor de coca-cola").
  • Microscópica: Detectável apenas através da análise microscópica do sedimento urinário.

Contudo, a simples detecção de sangue é apenas o começo. A questão fundamental é: de onde vem o sangramento? A origem pode ser qualquer ponto do trato geniturinário, desde os glomérulos renais até a uretra. A distinção entre uma origem glomerular (renal) e não glomerular (urológica) é o divisor de águas no diagnóstico, pois cada uma aponta para grupos de doenças distintos, com abordagens investigativas e terapêuticas específicas.

É crucial entender que não há correlação direta entre a intensidade da hematúria e a gravidade da condição subjacente. Uma hematúria microscópica persistente pode sinalizar uma glomerulonefrite progressiva, enquanto uma hematúria macroscópica alarmante pode derivar de uma cistite hemorrágica de curso benigno. Portanto, a hematúria deve ser sempre encarada como um sinal de alerta que demanda uma investigação metódica.

A Bifurcação Diagnóstica: Hematúria Glomerular vs. Não Glomerular

A análise cuidadosa das características da urina e dos sintomas associados é o ponto de partida que define se o paciente será encaminhado ao nefrologista ou ao urologista.

| Característica | Hematúria Glomerular (Nefrológica) | Hematúria Não Glomerular (Urológica) | | :--- | :--- | :--- | | Cor da Urina | Acastanhada, cor de "Coca-Cola" ou "chá-mate". | Vermelho-vivo ou rosada. | | Presença de Coágulos | Ausentes. As proteínas de coagulação não atravessam o filtro glomerular. | Presentes com frequência, indicando sangramento ativo no trato urinário. | | Achados Microscópicos | Presença de hemácias dismórficas (com formas anormais, como acantócitos), cilindros hemáticos e proteinúria significativa (> 500 mg/dia). | Hemácias com morfologia normal (isomórficas). Ausência de cilindros hemáticos e proteinúria mínima ou ausente. | | Sintomas Associados | Edema (inchaço), hipertensão arterial, oligúria (redução do volume urinário). | Dor lombar tipo cólica (cálculos), disúria (dor ao urinar), urgência miccional (infecções), sintomas obstrutivos (próstata). |


Principais Etiologias de Cada Grupo

Causas Comuns de Hematúria Glomerular: O sangramento glomerular quase sempre aponta para uma glomerulonefrite, como:

  • Nefropatia por IgA (Doença de Berger): A causa mais comum de glomerulonefrite primária no mundo.
  • Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica: Frequentemente ocorre após uma infecção de garganta ou pele.
  • Nefrite Lúpica: Manifestação renal do Lúpus Eritematoso Sistêmico.
  • Vasculite por IgA (Púrpura de Henoch-Schönlein): Mais comum em crianças.
  • Síndrome de Alport: Doença hereditária que afeta rins, audição e visão.

Causas Comuns de Hematúria Não Glomerular (Urológica): Aqui, o sangramento ocorre por lesão direta em alguma estrutura do trato urinário:

  • Litíase Urinária: Cálculos renais que ferem o revestimento do trato urinário.
  • Infecções do Trato Urinário (ITU): Cistites e pielonefrites.
  • Neoplasias: Tumores na bexiga, rins, ureteres ou próstata, especialmente em pacientes idosos.
  • Hiperplasia Prostática Benigna (HPB): Causa comum de sangramento em homens mais velhos.
  • Trauma: Lesões na região abdominal ou pélvica.

O Microscópio Revela: Dismorfismo Eritrocitário e Acantócitos

A resposta para a origem do sangramento frequentemente está na análise detalhada do sedimento urinário. O dismorfismo eritrocitário refere-se à presença de hemácias com formas anormais. Isso ocorre porque as hemácias, ao se "espremerem" para atravessar uma barreira de filtração glomerular danificada, sofrem um estresse mecânico e osmótico que as deforma.

Dentro deste espectro, o acantócito — uma hemácia com morfologia de anel e protusões em forma de bolha — é um marcador com altíssima especificidade para doença glomerular.

  • Hematúria Dismórfica (+): A presença de dismorfismo, especialmente com proteinúria e/ou cilindros hemáticos, aponta firmemente para uma causa nefrológica. A investigação se voltará para exames sorológicos, avaliação da função renal e, possivelmente, uma biópsia renal.
  • Hematúria Isomórfica (-): Se as hemácias estão bem conservadas, a origem é provavelmente não glomerular, e a investigação focará em exames de imagem, como ultrassonografia e cistoscopia.

Cilindros Hemáticos: A Evidência Definitiva da Origem Renal

No quebra-cabeça diagnóstico, a descoberta de cilindros hemáticos no sedimento urinário é a peça-chave que aponta, de forma patognomônica, para uma origem glomerular. Cilindros são moldes microscópicos dos túbulos renais, formados por uma matriz de proteína (uromodulina) que aprisiona células.

Para que as hemácias sejam incorporadas a um cilindro, o sangramento precisa ocorrer antes ou no nível do glomérulo. Um sangramento na bexiga ou uretra não resultará na formação de cilindros hemáticos. Sua presença transforma a investigação, confirmando a hematúria glomerular e sinalizando a necessidade de investigar uma doença renal primária ou secundária.

Análise Laboratorial e Diagnóstico Diferencial Amplo

A investigação de uma urina avermelhada começa com a diferenciação da hematúria verdadeira de condições que mimetizam seus sinais. A fita reagente detecta o pigmento heme, que pode ser positivo em:

  • Mioglobinúria: Liberação de mioglobina após lesão muscular (rabdomiólise). A urina é escura, a fita é positiva, mas não há hemácias no sedimento.
  • Hemoglobinúria: Presença de hemoglobina livre após hemólise intravascular. A fita é positiva, mas o exame microscópico também não revela hemácias.

Uma vez confirmada a hematúria verdadeira e os achados microscópicos (hemácias isomórficas, ausência de cilindros) apontarem para uma origem não glomerular, a investigação se concentra nas causas urológicas. O raciocínio clínico deve considerar:

  1. Infecção do Trato Urinário (ITU): A presença de leucocitúria e bacteriúria, junto com sintomas como disúria, direciona o diagnóstico. Uma urocultura é mandatória.
  2. Nefrolitíase (Cálculos Renais): Um histórico de cólica nefrítica é altamente sugestivo.
  3. Neoplasias: Em pacientes acima de 50 anos com hematúria macroscópica indolor, a investigação de tumores do trato urinário é prioritária.

A abordagem inicial para a hematúria não glomerular geralmente envolve exames de imagem, como a ultrassonografia de rins e vias urinárias ou a tomografia computadorizada.

Da Suspeita à Ação: Investigando a Doença Glomerular

A confirmação de que a hematúria tem origem glomerular dá início a uma investigação direcionada. A suspeita se torna robusta quando a hematúria dismórfica vem acompanhada de:

  • Alteração da creatinina sérica: Indicando redução da filtração renal.
  • Proteinúria significativa: Sinal direto de dano à barreira de filtração.
  • Sinais e sintomas sistêmicos: Como edema, hipertensão arterial de início recente ou um histórico de infecções de vias aéreas superiores recorrentes (sugestivo de Nefropatia por IgA).

Diante de uma suspeita forte de doença glomerular, o encaminhamento a um nefrologista é mandatório. Este especialista irá orquestrar a investigação final e determinar a necessidade do passo definitivo para o diagnóstico etiológico: a biópsia renal. A biópsia é o padrão-ouro que permite não apenas identificar a causa exata, mas também avaliar a gravidade, estabelecer o prognóstico e guiar o tratamento, sendo crucial para a preservação da função renal a longo prazo.


Dominar a diferenciação entre hematúria glomerular e não glomerular é mais do que um exercício acadêmico; é uma habilidade clínica fundamental que otimiza recursos, acelera o diagnóstico correto e impacta diretamente o prognóstico do paciente. Como vimos, a jornada começa com a valorização de pistas sutis na anamnese e no exame de urina, utilizando a microscopia como uma poderosa ferramenta para localizar a origem do sangramento. Com essa base, o clínico pode seguir com confiança pelo caminho nefrológico ou urológico, garantindo que cada paciente receba a investigação e o cuidado adequados.

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