diagnóstico mieloma múltiplo
critérios crab
biomarcadores mieloma múltiplo
mieloma múltiplo
Análise Profunda

Mieloma Múltiplo: Guia Completo sobre Diagnóstico, Critérios CRAB e Biomarcadores

Por ResumeAi Concursos
Célula de mieloma produzindo anticorpos anormais em forma de Y (Proteína M), característicos do Mieloma Múltiplo.

O diagnóstico do mieloma múltiplo é um dos quebra-cabeças mais fascinantes e complexos da hematologia. Longe de ser um veredito baseado em um único exame, ele exige a união de achados clínicos, laboratoriais e de imagem, como peças que se encaixam para revelar o quadro completo. Este guia foi elaborado para desmistificar esse processo. Navegaremos desde os sinais de alerta clássicos, consolidados no famoso acrônimo CRAB, até os biomarcadores modernos que revolucionaram o diagnóstico, permitindo uma intervenção mais precoce e eficaz. Nosso objetivo é capacitar você, seja profissional de saúde ou paciente, a compreender os pilares que definem esta doença, transformando a complexidade em clareza.

O Que é Mieloma Múltiplo e Quais Seus Sinais de Alerta?

O mieloma múltiplo é uma neoplasia hematológica (um câncer do sangue) caracterizada pela proliferação descontrolada de um tipo específico de célula na medula óssea: o plasmócito. Representando cerca de 10% dos cânceres do sangue, esta doença afeta predominantemente pessoas mais velhas, com a maioria dos diagnósticos ocorrendo após os 60 anos.

Em condições normais, os plasmócitos são células do sistema imunológico responsáveis por produzir os diversos anticorpos (imunoglobulinas) que nos defendem de infecções. No mieloma múltiplo, um clone de plasmócitos anormais se multiplica e passa a produzir uma quantidade massiva de um único tipo de imunoglobulina, que é não funcional. Essa proteína anômala é conhecida como proteína monoclonal ou componente M.

A suspeita diagnóstica geralmente surge a partir de um conjunto de sinais e sintomas que refletem tanto a infiltração da medula óssea pelas células cancerígenas quanto os efeitos sistêmicos da proteína monoclonal. Os sinais de alerta mais comuns incluem:

  • Dor Óssea Persistente: Frequentemente o sintoma mais proeminente, a dor costuma ser descrita como profunda e contínua, localizada principalmente na coluna, costelas e bacia. A infiltração óssea enfraquece o esqueleto, levando a lesões osteolíticas (áreas de destruição óssea) e a um risco aumentado de fraturas.
  • Fadiga e Fraqueza Extrema: A proliferação de plasmócitos na medula óssea suprime a produção de células sanguíneas saudáveis, resultando em anemia (baixa contagem de glóbulos vermelhos), principal causa da fadiga, palidez e falta de ar.
  • Infecções Recorrentes: A produção de anticorpos normais é reduzida, deixando o sistema imunológico comprometido e o paciente mais vulnerável a infecções, como pneumonias e infecções urinárias.
  • Alterações da Função Renal: As cadeias leves, fragmentos da proteína monoclonal, podem se acumular nos rins e causar danos progressivos, levando à insuficiência renal.
  • Hipercalcemia (Níveis Elevados de Cálcio no Sangue): A destruição óssea libera grandes quantidades de cálcio na corrente sanguínea, podendo causar sede excessiva, náuseas, constipação e, em casos graves, confusão mental.

Esses sinais e sintomas mais graves, que indicam dano a órgãos-alvo, são frequentemente agrupados no acrônimo CRAB, uma ferramenta mnemônica essencial na avaliação do mieloma múltiplo, que detalharemos a seguir.

Decifrando o CRAB: Os 4 Pilares do Dano em Órgãos-Alvo

O acrônimo CRAB é fundamental para memorizar as quatro manifestações clínicas cardinais que definem o mieloma múltiplo sintomático. A presença de um ou mais desses critérios indica que a doença já está causando dano a órgãos-alvo, sendo o gatilho para o início do tratamento.

  • C - Hipercalcemia (Calcium elevated) Refere-se ao aumento dos níveis de cálcio no sangue, causado pela atividade descontrolada dos osteoclastos, que reabsorvem o osso. O critério diagnóstico é definido por um nível de cálcio sérico superior a 11 mg/dL ou mais de 1 mg/dL acima do limite superior da normalidade.

  • R - Insuficiência Renal (Renal insufficiency) Uma complicação grave causada principalmente pelo acúmulo de cadeias leves monoclonais (proteína de Bence-Jones) nos túbulos renais, condição conhecida como "rim do mieloma". O critério diagnóstico é estabelecido por uma creatinina sérica superior a 2 mg/dL ou um clearance de creatinina inferior a 40 mL/min.

  • A - Anemia Frequentemente a primeira alteração laboratorial detectada, é causada pela supressão da produção de glóbulos vermelhos na medula óssea infiltrada por plasmócitos. O critério para o diagnóstico é uma hemoglobina inferior a 10 g/dL ou uma queda de 2 g/dL ou mais em relação ao valor basal do paciente.

  • B - Lesões Ósseas (Bone lesions) A ativação excessiva dos osteoclastos cria áreas de fraqueza no osso, que aparecem em exames de imagem como lesões osteolíticas, classicamente descritas com um aspecto de "saca-bocado". O critério é a presença de uma ou mais lesões líticas identificadas em radiografias, tomografia computadorizada (TC) ou PET-CT.

Além do CRAB: Os Biomarcadores que Definem o Mieloma Ativo

Por décadas, a necessidade de tratamento esteve atrelada à presença de danos já instalados (CRAB). Contudo, a medicina moderna identificou um subgrupo de pacientes assintomáticos com risco altíssimo de progressão. Para eles, foram estabelecidos três biomarcadores de malignidade. A presença de qualquer um deles, mesmo na ausência de critérios CRAB, é suficiente para definir o mieloma múltiplo ativo e indicar o início do tratamento.

Esses marcadores, conhecidos como "eventos definidores de mieloma" (Myeloma Defining Events - MDE), são:

  • Infiltração Maciça da Medula Óssea (≥ 60% de Plasmócitos Clonais): Quando a análise da medula óssea revela que 60% ou mais das células são plasmócitos clonais, a carga tumoral é considerada tão alta que a progressão para dano em órgãos é praticamente inevitável, justificando a intervenção precoce.

  • Relação Anormal de Cadeias Leves Livres (≥ 100): Este exame mede a proporção entre a cadeia leve produzida pelo tumor (kappa ou lambda) e a cadeia normal. Uma relação igual ou superior a 100 demonstra uma proliferação tumoral descontrolada e um alto risco de lesão renal iminente.

  • Mais de Uma Lesão Focal na Ressonância Magnética (> 1 lesão focal): A ressonância magnética (RM) é mais sensível que o raio-X para detectar acúmulos de plasmócitos no osso. A presença de mais de uma lesão focal (com pelo menos 5mm) na RM revela um dano esquelético precoce, predizendo futuras fraturas e dores ósseas.

A Confirmação Diagnóstica: Unindo os Achados

O diagnóstico de mieloma múltiplo ativo não se baseia em um único achado, mas na combinação de evidências, conforme estabelecido pelo International Myeloma Working Group (IMWG). A fórmula é clara:

  1. Comprovação de proliferação clonal de plasmócitos: Isso requer a presença de ≥10% de plasmócitos clonais na medula óssea ou a existência de um plasmocitoma (tumor de plasmócitos) comprovado por biópsia. E
  2. Presença de pelo menos um evento definidor de mieloma: Isso inclui qualquer um dos critérios CRAB ou qualquer um dos três biomarcadores de malignidade descritos anteriormente.

Em resumo, o diagnóstico é selado quando se encontra a população de células anormais (critério 1) somada a uma evidência clara de sua atividade deletéria, seja por uma lesão já estabelecida (CRAB) ou por um sinal biológico de altíssimo risco de progressão (biomarcadores).

Achados Laboratoriais e Complicações Associadas

Além dos critérios definidores, uma série de achados laboratoriais corrobora o diagnóstico e avalia a extensão da doença. O elemento central é a proteína M (pico monoclonal), que, em excesso, causa alterações importantes:

  • Fenômeno de Rouleaux: No esfregaço de sangue periférico, é comum observar as hemácias empilhadas como moedas, devido à neutralização de suas cargas de superfície pelo excesso de proteína.
  • Aumento da Velocidade de Hemossedimentação (VHS): Embora não seja um critério diagnóstico, a VHS costuma estar marcadamente elevada e é considerada um fator de mau prognóstico.
  • Síndrome de Hiperviscosidade: Em casos de níveis muito altos de proteína M, o sangue pode se tornar espesso, levando a sintomas neurológicos, visuais e hemorrágicos.

A insuficiência renal é uma das complicações mais graves. Sua principal causa é a nefropatia por cilindros de cadeias leves, onde as cadeias leves produzidas em excesso são filtradas pelos rins e se precipitam nos túbulos, formando cilindros que os obstruem e causam toxicidade direta, levando à falência renal.

Diagnóstico Diferencial: Distinguindo Mieloma de Outras Gamopatias

A detecção de uma proteína monoclonal exige uma investigação cuidadosa para diferenciar o mieloma múltiplo ativo de suas condições precursoras ou de outras doenças.

  • Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (GMSI): A condição precursora mais comum. Caracteriza-se por um baixo nível de proteína M, <10% de plasmócitos na medula e, crucialmente, ausência total de critérios CRAB ou biomarcadores de malignidade. Requer apenas acompanhamento.
  • Mieloma Múltiplo Assintomático (ou Smoldering): Um estágio intermediário. Os pacientes têm ≥10% de plasmócitos na medula, mas ainda não manifestam danos em órgãos (sem CRAB ou biomarcadores de malignidade). O risco de progressão é maior, exigindo monitoramento próximo.
  • Amiloidose AL (Primária): Também causada por plasmócitos, mas aqui as cadeias leves se depositam como fibrilas amiloides nos tecidos, causando sintomas distintos como aumento da língua (macroglossia) ou do baço.
  • Outras Condições: É preciso descartar metástases ósseas de outros tumores, linfomas, leucemias e osteoporose severa, que podem apresentar sintomas semelhantes, mas possuem marcadores e achados de imagem distintos.

A integração de todos esses dados é o que permite classificar corretamente a doença e traçar a melhor estratégia para cada indivíduo.


Compreender a jornada diagnóstica do mieloma múltiplo é reconhecer uma notável evolução na medicina. Passamos de uma abordagem que esperava pelo dano visível, resumido nos critérios CRAB, para uma estratégia proativa, que utiliza biomarcadores de alta precisão para identificar a doença em seu ponto de inflexão. Essa mudança de paradigma não é apenas um avanço técnico; ela representa a chance de intervir antes que complicações irreversíveis ocorram, oferecendo aos pacientes um prognóstico muito mais favorável.

Agora que você explorou os pilares do diagnóstico do mieloma múltiplo, que tal testar seus conhecimentos? Confira nossas Questões Desafio preparadas especialmente sobre este assunto