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nutrição parenteral total
terapia nutricional cirúrgica
Análise Profunda

Nutrição Enteral e Parenteral: Guia Estratégico para o Manejo Perioperatório

Por ResumeAi Concursos
Equipamentos para nutrição parenteral e enteral: bolsa de NPT e sonda de alimentação lado a lado.

No complexo tabuleiro do cuidado cirúrgico, a nutrição é a peça estratégica que muitas vezes define o xeque-mate contra as complicações. Ir além da excelência técnica no centro cirúrgico e dominar o manejo nutricional perioperatório não é um luxo, mas uma necessidade fundamental para qualquer profissional de saúde comprometido com desfechos de sucesso. Este guia foi desenhado para ser sua referência estratégica, capacitando-o a navegar com segurança pelas indicações, riscos e nuances da nutrição enteral e parenteral, transformando um componente muitas vezes subestimado do cuidado em uma poderosa ferramenta para a recuperação do paciente.

O Papel Crítico do Suporte Nutricional no Sucesso Cirúrgico

O sucesso de um procedimento cirúrgico depende intrinsecamente da capacidade do corpo de se defender, cicatrizar e se recuperar. Nesse cenário, o estado nutricional do paciente emerge como um dos pilares para um desfecho positivo. A cirurgia, por sua natureza, impõe um estresse metabólico significativo, e um organismo desnutrido simplesmente não possui os recursos para enfrentar essa demanda.

O Suporte Nutricional Perioperatório é a intervenção para otimizar a condição nutricional do paciente antes, durante e, crucialmente, após o ato cirúrgico. Um suporte inadequado pode desencadear uma cascata de eventos adversos:

  • Cicatrização prejudicada: A síntese de colágeno e a proliferação celular dependem de proteínas, vitaminas (como a C) e minerais (como o zinco).
  • Imunidade comprometida: A desnutrição afeta a função dos linfócitos e outras células de defesa, aumentando drasticamente o risco de infecções pós-operatórias.
  • Catabolismo muscular acelerado: Sem nutrientes, o corpo degrada a própria massa muscular para obter energia, levando à fraqueza e recuperação mais lenta.
  • Disfunção orgânica: A falta de "combustível" pode afetar órgãos vitais, prolongando a necessidade de suporte intensivo.

A terapia nutricional é fortemente recomendada para pacientes com desnutrição preexistente (perda de peso >10% em 6 meses) ou para aqueles que serão submetidos a cirurgias de grande porte com previsão de jejum prolongado. Em cirurgias eletivas, um período de otimização pré-operatória de 7 a 14 dias pode reduzir as complicações em cerca de 10%, principalmente as infecciosas.

No pós-operatório, protocolos como ACERTO e ERAS revolucionaram o cuidado ao defender a introdução precoce da dieta. Essa prática demonstrou diminuir o risco de infecção, reduzir a incidência de íleo paralítico, preservar a barreira intestinal e encurtar o tempo de internação. Portanto, o manejo nutricional assume um papel de protagonista no cuidado cirúrgico moderno.

Nutrição Enteral: A Via Preferencial e Suas Aplicações

No universo do suporte nutricional, um mantra prevalece: "se o intestino funciona, use-o". Este princípio fundamenta a preferência pela nutrição enteral (NE) sempre que possível. Mais do que fornecer calorias, a NE desempenha um papel ativo na manutenção da saúde do trato gastrointestinal (TGI), desencadeando respostas fisiológicas benéficas:

  • Estímulo Trófico e Manutenção da Barreira Intestinal: A presença de nutrientes no lúmen intestinal mantém a estrutura da mucosa, preserva as junções intercelulares (tight junctions) e diminui a permeabilidade intestinal. Isso reduz o risco de translocação bacteriana – a passagem de bactérias para a corrente sanguínea, um gatilho para sepse.
  • Saúde da Microbiota: A NE fornece substrato para bactérias benéficas, que produzem ácidos graxos de cadeia curta (como o butirato), a principal fonte de energia para as células do cólon.

Vias de Acesso e Suas Indicações

A escolha da via de acesso depende da duração da terapia e do risco de broncoaspiração:

  1. Acesso Gástrico (Intragástrico): Realizado por sondas nasogástricas (curto prazo) ou gastrostomias (longo prazo). É a via mais comum quando o estômago está funcional e o risco de aspiração é baixo.
  2. Acesso Pós-Pilórico (Intrajejunal): Utiliza sondas nasoenterais ou jejunostomias. É a via preferencial em situações de alto risco de broncoaspiração, esvaziamento gástrico retardado ou pancreatite aguda grave.

Indicações e Contraindicações: A Decisão Crítica

Apesar de ser a via de eleição, a NE não é universalmente aplicável. A funcionalidade do TGI é o divisor de águas.

Principais Indicações:

  • Pacientes desnutridos ou em risco nutricional que não podem se alimentar por via oral, mas possuem um TGI funcional.
  • Condições que exigem suporte intensivo, como em grandes queimados, politraumatizados e no perioperatório de cirurgias de grande porte.

Contraindicações Absolutas e Relativas:

  • Instabilidade hemodinâmica ou choque grave: Esta é uma contraindicação absoluta. A hipoperfusão esplâncnica (baixo fluxo sanguíneo para o intestino) torna a NE perigosa, com risco de isquemia intestinal. A necessidade de doses altas ou crescentes de drogas vasoativas é um sinal de alerta claro.
  • Obstrução intestinal mecânica completa.
  • Íleo paralítico ou adinâmico severo.
  • Isquemia mesentérica ou peritonite difusa.
  • Vômitos ou diarreia intratáveis, que impedem a absorção adequada.
  • Fístulas intestinais de alto débito (> 500 mL/dia), quando o acesso não pode ser posicionado distalmente à fístula.
  • Hemorragia digestiva grave e ativa.

Nutrição Parenteral (NP): A Terapia de Resgate

Quando o trato gastrointestinal se torna um caminho inviável, a Nutrição Parenteral (NP) emerge como a terapia de suporte vital. Ela consiste na administração de uma solução nutritiva completa (aminoácidos, dextrose, lipídios, eletrólitos, vitaminas) diretamente na corrente sanguínea, contornando o TGI. Seu uso é reservado para cenários onde a via enteral é contraindicada, insuficiente ou impossível.

As principais indicações incluem:

  • Disfunção ou inacessibilidade do TGI: Íleo paralítico prolongado (> 5-7 dias), obstrução intestinal, peritonite grave.
  • Fístulas Gastrointestinais de Alto Débito: A NP permite o repouso intestinal, um passo crucial para o fechamento da fístula.
  • Síndrome do Intestino Curto (SIC): Após ressecções intestinais extensas, a NP pode ser a única forma de garantir o aporte nutricional.
  • Intolerância Grave à Nutrição Enteral: Em casos de vômitos ou diarreia refratários.

Tipos de Acesso Venoso

  1. Acesso Venoso Central (AVC): É a via de escolha para a Nutrição Parenteral Total (NPT). Um cateter em veia de grande calibre permite a infusão de soluções hiperosmolares, fornecendo a totalidade das necessidades calórico-proteicas.
  2. Acesso Venoso Periférico (AVP): Usado para Nutrição Parenteral Periférica (NPP), uma opção de curta duração (< 14 dias). As soluções têm osmolaridade mais baixa para minimizar o risco de flebite, oferecendo um aporte nutricional mais limitado.

Gerenciando os Riscos e Complicações da Nutrição Parenteral

A NP é uma intervenção complexa que exige vigilância constante. As complicações podem ser divididas em três categorias principais:

1. Complicações Metabólicas

A infusão intravenosa de nutrientes pode sobrecarregar o sistema.

  • Hiperglicemia: É a complicação mais comum, exigindo monitoramento glicêmico rigoroso e, frequentemente, uso de insulina.
  • Distúrbios Eletrolíticos: Desequilíbrios de potássio, fósforo e magnésio são frequentes. Um risco agudo é a Síndrome de Realimentação em pacientes gravemente desnutridos, prevenida com a introdução gradual de calorias.
  • Desequilíbrios de Macronutrientes: Excesso de proteínas pode levar à uremia, e o de lipídios, à hipertrigliceridemia.

2. Complicações Hepáticas e Biliares

O uso prolongado pode impactar o fígado.

  • Disfunção Hepática: A ausência de estímulo enteral leva à estase biliar, podendo causar colestase e esteatose hepática (fígado gorduroso).
  • Colelitíase: A estase crônica é fator de risco para a formação de cálculos biliares. A introdução de um volume mínimo de NE, sempre que possível, ajuda a prevenir este quadro.

3. Risco de Infecção: O Ponto Crítico

A complicação mais temida é a infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter (ICSRC). O cateter venoso central (CVC) é uma porta de entrada direta para microrganismos. A prevenção é a melhor abordagem e baseia-se em protocolos rígidos: higiene das mãos, uso de precauções máximas de barreira na inserção e cuidados meticulosos com o sítio do cateter.

Integrando a Terapia Nutricional no Pós-Operatório: Protocolos e Práticas

A fase pós-operatória exige uma abordagem nutricional proativa. O paradigma de "manter o intestino em repouso" foi superado pela introdução precoce da dieta, um pilar de protocolos como ERAS e ACERTO. Os benefícios são robustos: redução da resposta catabólica, manutenção da barreira intestinal, diminuição de complicações infecciosas e do tempo de internação, sem aumentar o risco de deiscência de anastomoses.

O objetivo é fornecer de 25 a 35 kcal/kg/dia e de 1.2 a 1.5 g/kg/dia de proteína, evitando a hiperalimentação. A via de administração segue a hierarquia: 1º Via Oral, 2º Via Enteral, 3º Via Parenteral.

As recomendações práticas são:

  • Cirurgias sem anastomose: Dieta oral no mesmo dia da cirurgia.
  • Cirurgias com anastomose gastrointestinal ou colorretal: Dieta líquida ou leve pode ser iniciada no mesmo dia ou no primeiro dia de pós-operatório.
  • Cirurgias com anastomose esofágica: Nutrição enteral via sonda é iniciada entre 12 e 24 horas após o procedimento.

Para pacientes que iniciaram suporte no pré-operatório, é fundamental manter a terapia no pós-operatório para garantir a continuidade dos benefícios.

A jornada pelo manejo nutricional perioperatório revela uma verdade inegável: a alimentação é uma terapia. A decisão entre a via enteral e parenteral não é arbitrária, mas uma escolha clínica estratégica, guiada pela fisiologia, pela condição do paciente e por um objetivo claro: otimizar a recuperação e minimizar os riscos. Dominar essa escolha é dominar uma das artes mais essenciais do cuidado cirúrgico.

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