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Análise Profunda

Reações Transfusionais: Guia Completo de Tipos, Sinais e Manejo Clínico

Por ResumeAi Concursos
Hemácias em hemólise e aglutinação, efeito de uma reação transfusional, em contraste com células saudáveis.

A transfusão de sangue é um pilar da medicina moderna, mas cada bolsa infundida exige vigilância máxima. Uma febre sutil, um calafrio inesperado ou uma queixa de prurido podem ser os primeiros sinais de uma complicação grave. Para o profissional de saúde na linha de frente, diferenciar uma reação alérgica benigna de uma hemólise iminente é uma competência crítica que salva vidas. Este guia completo foi estruturado para ser seu recurso de confiança, capacitando-o a identificar, classificar e manejar as principais reações transfusionais com a precisão e a agilidade que a segurança do paciente exige.

O Que São Reações Transfusionais e Como São Classificadas?

Uma reação transfusional é definida como qualquer evento adverso que ocorre em um paciente durante ou após a administração de um hemocomponente (como concentrado de hemácias, plaquetas ou plasma). Esses eventos podem variar desde manifestações leves, como febre transitória, até quadros graves e potencialmente fatais, como choque anafilático ou hemólise maciça. Por essa razão, a monitorização rigorosa do paciente é um pilar da segurança em hemoterapia.

Para organizar o raciocínio diagnóstico e orientar o manejo, as reações são classificadas com base em dois eixos principais: a temporalidade e o mecanismo fisiopatológico.

1. Classificação por Temporalidade

  • Reações Agudas (ou Imediatas): Ocorrem durante a transfusão ou em até 24 horas após o seu término. A grande maioria das reações clinicamente significativas se manifesta neste período, exigindo intervenção imediata.
  • Reações Tardias: Manifestam-se após 24 horas da transfusão, podendo levar dias, semanas ou meses para se tornarem aparentes. Geralmente estão associadas a processos de aloimunização ou transmissão de doenças.

2. Classificação por Mecanismo Fisiopatológico

  • Reações Imunes: Desencadeadas por uma resposta do sistema imunológico, geralmente envolvendo a interação entre anticorpos do receptor e antígenos do hemocomponente doado. Exemplos clássicos incluem a Reação Hemolítica, a Reação Febril Não Hemolítica (a mais comum), Reações Alérgicas e a Lesão Pulmonar Aguda Relacionada à Transfusão (TRALI).
  • Reações Não Imunes: Causadas por fatores físicos ou químicos do componente sanguíneo ou do procedimento, sem um gatilho imunológico primário. Os principais exemplos são a Sobrecarga Circulatória Associada à Transfusão (TACO), a Contaminação Bacteriana, a embolia e distúrbios metabólicos (ex: hipercalemia).

Compreender esta estrutura é o primeiro passo para identificar os sinais de alerta e instituir o tratamento correto, garantindo a segurança do paciente.

Reações Comuns: A Reação Febril Não Hemolítica (RFNH) e as Reações Alérgicas

No universo das reações transfusionais, duas categorias se destacam pela frequência: a Reação Febril Não Hemolítica (RFNH) e as reações alérgicas.

A Reação Febril Não Hemolítica (RFNH): A Mais Frequente de Todas

A RFNH é a reação aguda mais comum, ocorrendo em cerca de 0,5% a 1% das transfusões. Ela se manifesta com febre, mas sem a destruição de hemácias (hemólise).

  • Definição Clínica: Aumento de, no mínimo, 1°C na temperatura corporal durante ou em até 4 horas após a transfusão, frequentemente acompanhada de calafrios.
  • Fisiopatologia: A causa não é o hemocomponente em si, mas sim citocinas inflamatórias acumuladas na bolsa durante o armazenamento ou uma reação de anticorpos do receptor contra leucócitos do doador.
  • Manejo e Prevenção: A RFNH é um diagnóstico de exclusão. Ao primeiro sinal de febre, a transfusão deve ser interrompida para investigar causas mais graves. Uma vez descartadas, o tratamento é sintomático com antitérmicos. Para pacientes com histórico, a prevenção é feita com hemocomponentes desleucotizados (filtrados).

Reações Alérgicas: Da Urticária à Anafilaxia

Resultam de uma resposta de hipersensibilidade a proteínas no plasma do doador.

  • Reações Leves (Urticariformes): São as mais frequentes, manifestando-se com lesões de pele avermelhadas e pruriginosas (urticária). O manejo envolve a interrupção temporária da transfusão e a administração de anti-histamínicos. Se os sintomas regredirem, a transfusão pode ser reiniciada lentamente.
  • Reações Graves (Anafiláticas): Raras mas fatais, são uma emergência médica caracterizada por colapso circulatório e respiratório. Devido à sua gravidade, são detalhadas na seção a seguir.
  • Prevenção: Para pacientes com histórico de reações alérgicas graves, recorrentes, ou com deficiência de IgA, a melhor estratégia é o uso de hemocomponentes lavados. Este processo remove a maior parte do plasma e das proteínas alergênicas.

Sinais de Alerta: As Reações Transfusionais Graves e Imediatas

A vigilância clínica é crucial para identificar precocemente as reações agudas graves. Estas são emergências que exigem interrupção imediata da transfusão e manejo rápido.

1. Reação Hemolítica Aguda (RHA)

Considerada uma das complicações mais temidas, resulta da destruição rápida das hemácias transfundidas. A causa mais comum é a incompatibilidade ABO por erro de identificação.

  • Quadro Clínico: Instala-se minutos após o início da transfusão. Fique atento a:
    • Febre alta com calafrios.
    • Dor lombar ou em flancos (sinal clássico).
    • Hipotensão, podendo evoluir para choque.
    • Hemoglobinúria: urina escura, cor de "Coca-Cola".
    • Sinais de Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD).
  • Consequência Grave: Pode levar à lesão renal aguda.

2. Reação Anafilática

Uma reação de hipersensibilidade grave que pode ocorrer com pequenos volumes. Pacientes com deficiência congênita de IgA são um grupo de risco clássico.

  • Quadro Clínico: Súbito, com hipotensão severa, choque e comprometimento respiratório (broncoespasmo, edema de glote). Urticária pode estar ausente.
  • Manejo: A transfusão deve ser imediatamente interrompida e jamais reiniciada. O tratamento de escolha é a epinefrina intramuscular.

3. Sepse Transfusional (Contaminação Bacteriana)

Ocorre quando o hemocomponente está contaminado com bactérias. Concentrados de plaquetas, armazenados em temperatura ambiente, apresentam maior risco.

  • Quadro Clínico: Indistinguível de um choque séptico de outra origem: febre muito alta, calafrios intensos e hipotensão profunda.
  • Manejo: Exige interrupção da transfusão, coleta de hemoculturas (do paciente e da bolsa) e início imediato de antibioticoterapia de largo espectro.

4. Complicações Pulmonares Agudas: TRALI vs. TACO

A dispneia aguda pós-transfusional é um sinal de alerta para duas entidades com manejos opostos.

  • TRALI (Lesão Pulmonar Aguda Relacionada à Transfusão):

    • Mecanismo: Reação inflamatória que causa edema pulmonar não cardiogênico.
    • Clínica: Hipoxemia grave, infiltrados pulmonares bilaterais, com pressão arterial normal ou baixa.
    • Tratamento: Suporte ventilatório. Diuréticos são contraindicados.
  • TACO (Sobrecarga Circulatória Associada à Transfusão):

    • Mecanismo: Sobrecarga de volume hidrostática, causando edema agudo de pulmão cardiogênico.
    • Clínica: Dispneia, ortopneia e, caracteristicamente, hipertensão arterial e sinais de congestão.
    • Tratamento: Interrupção ou redução da velocidade da infusão, oxigenoterapia e diuréticos.

Conduta Imediata: O Que Fazer Diante de uma Suspeita de Reação Transfusional?

A suspeita de uma reação transfusional exige uma resposta rápida e protocolar. Qualquer sinal inesperado — febre, calafrios, urticária, dor torácica, hipotensão ou dispneia — deve ser tratado como uma reação até prova em contrário. A conduta pode ser lembrada pelo mnemônico: Pare, Mantenha, Notifique, Colete.

  1. INTERROMPER IMEDIATAMENTE A TRANSFUSÃO: Este é o passo mais crucial. Ao primeiro sinal de reação, a infusão deve ser interrompida para limitar a exposição do paciente ao agente causador. A bolsa de sangue suspeita jamais deve ser reiniciada.

  2. MANTER O ACESSO VENOSO PÉRVIO: Substitua o equipo de transfusão por um novo e inicie a infusão de solução salina a 0,9%. Isso garante uma via pronta para a administração de medicamentos de emergência.

  3. NOTIFICAR A EQUIPE E O BANCO DE SANGUE: Comunique imediatamente o médico responsável e a equipe de enfermagem para uma avaliação clínica completa. A notificação ao banco de sangue é obrigatória e dispara o processo de investigação hemoterápica, essencial para verificar erros e garantir a segurança de outras unidades.

  4. COLETAR AMOSTRAS PARA INVESTIGAÇÃO: Para que o banco de sangue investigue a causa, encaminhe os seguintes materiais:

    • A bolsa de hemocomponente suspeita, com o equipo conectado.
    • Uma nova amostra de sangue do paciente, coletada de um sítio de punção diferente.
    • A primeira amostra de urina do paciente após a reação, para investigar hemoglobinúria.

Prevenção é a Chave: Estratégias para Reduzir Riscos Transfusionais

Enquanto a resposta rápida a uma reação é vital, o objetivo final da hemoterapia segura é a prevenção. As estratégias para reduzir riscos começam muito antes da transfusão, com o processamento específico dos hemocomponentes.

  • Leucorredução (ou Desleucotização): A remoção de leucócitos através de filtros especiais diminui drasticamente o risco de Reação Febril Não Hemolítica (RFNH) e de aloimunização.

  • Lavagem de Hemocomponentes: A lavagem de hemácias ou plaquetas com solução salina remove a maior parte do plasma e das proteínas. É a medida fundamental para a profilaxia de reações alérgicas graves, especialmente em pacientes com deficiência de IgA.

  • Irradiação: A exposição do hemocomponente à radiação inativa os linfócitos T do doador, sendo vital para prevenir a Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) associada à transfusão em pacientes imunocomprometidos.

Além do processamento, a prevenção de doenças transmissíveis, como Doença de Chagas e arboviroses (Dengue, Zika, Chikungunya), depende de uma triagem rigorosa de doadores e vigilância epidemiológica contínua.


Dominar o manejo das reações transfusionais é mais do que memorizar protocolos; é cultivar um estado de alerta constante e um raciocínio clínico apurado. Desde a interrupção imediata da transfusão ao primeiro sinal de alerta até a escolha criteriosa de um hemocomponente processado para um paciente de risco, cada decisão impacta diretamente a segurança do paciente. A hemovigilância, alimentada pela notificação rigorosa de cada evento, é a engrenagem que move a melhoria contínua, transformando cada desafio em uma oportunidade de aprendizado para todo o sistema de saúde.

Agora que você revisou os conceitos essenciais, que tal colocar seu conhecimento à prova? Preparamos algumas Questões Desafio para ajudar a consolidar os pontos-chave deste guia. Teste suas habilidades e reforce sua preparação para a prática clínica.