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Guia Completo

Trauma Hepático e Esplênico: O Guia Definitivo do Tratamento Conservador

Por ResumeAi Concursos
Fígado e baço com lesões traumáticas em cicatrização, representando o tratamento conservador.

No universo do trauma, poucas áreas evoluíram tão drasticamente quanto o manejo de lesões em órgãos sólidos. A antiga máxima de que toda lesão de fígado ou baço exigia uma cirurgia imediata deu lugar a uma abordagem mais refinada e baseada em evidências: o tratamento conservador não operatório (TNO). No entanto, essa mudança de paradigma não significa "não fazer nada". Pelo contrário, exige um profundo conhecimento dos critérios de seleção, um protocolo de vigilância rigoroso e a capacidade de reconhecer os sinais de alerta que indicam a necessidade de intervenção. Este guia foi elaborado para ser sua referência definitiva, desmistificando o TNO e capacitando você a tomar as melhores decisões, desde a sala de emergência até a alta do paciente.

A Revolução do Tratamento Conservador: Critérios e Decisão

No passado, o diagnóstico de uma lesão no fígado ou no baço após um trauma era quase sinônimo de laparotomia exploradora. Hoje, vivemos uma era de manejo seletivo, onde o Tratamento Conservador Não Operatório (TNO) é a regra, e a cirurgia, a exceção para a maioria desses pacientes. Em essência, o TNO é uma estratégia que confia na capacidade do corpo de cicatrizar sob vigilância ativa e suporte intensivo, evitando os riscos de uma cirurgia desnecessária.

O pilar que sustenta o sucesso do TNO é um princípio fundamental: a decisão de operar ou não é guiada principalmente pela estabilidade hemodinâmica do paciente, e não apenas pelo grau da lesão identificado na tomografia. Este é o mantra do atendimento ao trauma: tratamos o paciente, não a tomografia. Um paciente com uma lesão grave nos exames de imagem, mas que se mantém estável, é um forte candidato ao TNO. Por outro lado, um paciente instável, que não responde à reanimação inicial, tem indicação absoluta de cirurgia de emergência.

Para que o TNO seja uma opção segura, uma "tríade de segurança" deve ser rigorosamente avaliada:

  1. Estabilidade Hemodinâmica: O paciente deve ser capaz de manter seus sinais vitais estáveis, com ou sem uma reposição volêmica inicial mínima. A necessidade contínua de transfusões sanguíneas para manter a pressão arterial é um sinal de instabilidade e falha iminente do TNO.

  2. Ausência de Irritação Peritoneal (Peritonite): O exame físico do abdômen é crucial. Um abdômen tenso, com dor à descompressão brusca ou defesa muscular involuntária, sugere hemorragia contínua ou a lesão de uma víscera oca (como o intestino). Ambos os cenários exigem uma abordagem cirúrgica imediata.

  3. Ausência de Outras Lesões com Indicação Cirúrgica: A tomografia computadorizada, realizada em pacientes estáveis, é essencial para avaliar a extensão do trauma. Se, além da lesão hepática ou esplênica, for identificada uma perfuração intestinal ou outra lesão que necessite de reparo cirúrgico, a laparotomia se torna necessária.

Classificando a Lesão: Como o Grau do Trauma Influencia a Conduta

Com o paciente estável e elegível para o TNO, o próximo passo é caracterizar a magnitude da lesão. A tomografia computadorizada (TC) de abdome com contraste é o exame de escolha, e a classificação da Associação Americana para a Cirurgia do Trauma (AAST) é o padrão-ouro global. Essa escala gradua as lesões de I (menor) a VI (avulsão vascular), influenciando diretamente a intensidade da vigilância e a probabilidade de sucesso do tratamento conservador.

Lesões de Baixo Grau (Graus I, II e III)

Para lesões hepáticas e esplênicas de baixo grau, o TNO é a abordagem de escolha na grande maioria dos casos, com taxas de sucesso que superam 90%, desde que os critérios da "tríade de segurança" sejam preenchidos. O manejo, no entanto, não é passivo e exige um protocolo rigoroso de monitorização.

Lesões de Alto Grau (Graus IV e V)

Historicamente, lesões de alto grau eram sinônimo de cirurgia. Hoje, em centros de trauma especializados, o TNO pode ser considerado para pacientes selecionados com lesões grau IV e até V, desde que permaneçam hemodinamicamente estáveis. Nesses casos, a vigilância deve ser ainda mais rigorosa e o limiar para intervenção, seja cirúrgica ou endovascular, deve ser baixo. A decisão é sempre um balanço delicado entre os riscos da cirurgia e os de uma hemorragia tardia.

O Protocolo do Tratamento Conservador: Monitoramento e Cuidados Essenciais

Optar pelo TNO não significa "esperar para ver". Implica em um período de vigilância intensiva e cuidados meticulosos, geralmente em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), especialmente nas primeiras 24 a 48 horas, que são as mais críticas.

O protocolo padrão inclui:

  • Monitorização Contínua: Vigilância rigorosa dos sinais vitais, do débito urinário e do estado hemodinâmico geral.
  • Repouso Absoluto no Leito: Essencial para minimizar a pressão intra-abdominal e reduzir o risco de um novo sangramento. A recomendação clássica é de até 5 dias, com mobilização progressiva.
  • Controle Laboratorial Seriado: A dosagem seriada de hemoglobina e hematócrito (a cada 6-8 horas inicialmente) é obrigatória para detectar sangramentos ocultos. Uma queda nos valores é um sinal de alerta, mas não contraindica o TNO isoladamente.
  • Exames Físicos Seriados: A avaliação clínica repetida do abdômen pelo cirurgião é um pilar do tratamento para detectar precocemente sinais de peritonite.
  • Cuidados de Suporte: Jejum inicial, hidratação endovenosa, analgesia e transfusão de hemoderivados conforme a necessidade clínica e laboratorial.

Particularidades do Fígado e do Baço

Embora o protocolo seja similar, existem algumas nuances. No trauma esplênico, a preservação do órgão é especialmente valiosa devido à sua função imunológica. Pacientes que necessitam de anticoagulação plena por outras condições médicas são candidatos ruins ao TNO, mesmo com lesões de baixo grau, devido ao alto risco de sangramento. No trauma hepático, a presença de lesões associadas, como um hemotórax, não impede o TNO; cada lesão é tratada de forma apropriada (ex: drenagem torácica) enquanto se mantém a vigilância para o fígado.

Alternativas Minimamente Invasivas: O Papel da Radiologia Intervencionista

Quando o tratamento conservador puro enfrenta seus limites, a Radiologia Intervencionista (RI) surge como uma ponte estratégica entre a observação e a cirurgia aberta. Sua principal ferramenta é a angioembolização arterial seletiva.

A indicação clássica surge em um cenário específico: o paciente está hemodinamicamente estável, mas a TC revela sinais de sangramento arterial ativo (o chamado "blush" ou extravasamento de contraste) ou a presença de lesões vasculares de alto risco, como um pseudoaneurisma. Nesses casos, a embolização atua como um reforço, "fechando a torneira" do sangramento de forma minimamente invasiva. O procedimento consiste em navegar com cateteres finos até o vaso sangrante e bloqueá-lo com materiais específicos (como molas ou partículas), cessando a hemorragia e preservando o órgão.

A embolização não substitui o TNO, mas o fortalece, expandindo suas fronteiras e aumentando drasticamente as chances de sucesso em lesões de alto grau, permitindo que mais pacientes sejam tratados sem a necessidade de uma cirurgia invasiva.

Sinais de Alerta: Quando a Cirurgia se Torna a Melhor Opção

Apesar do sucesso do TNO, é fundamental reconhecer quando a estratégia está falhando. A transição para a abordagem cirúrgica deve ser rápida e decisiva ao identificar os seguintes sinais de alerta:

  • Instabilidade Hemodinâmica Persistente: O sinal mais crítico. Um paciente que permanece hipotenso e taquicárdico, apesar da reanimação, está com uma hemorragia ativa e descontrolada.
  • Necessidade de Transfusões Sanguíneas Contínuas: A necessidade de múltiplas transfusões (geralmente mais de 2 a 4 unidades) para manter a estabilidade é um forte indicador de sangramento contínuo.
  • Sinais de Peritonite: O desenvolvimento de dor abdominal difusa, defesa ou rigidez abdominal indica hemorragia contínua ou a lesão de uma víscera oca.

A Mudança de Estratégia: Cirurgia de Controle de Danos

Quando um paciente falha no TNO e se torna instável, ele entra na "tríade letal do trauma" (hipotermia, coagulopatia e acidose). Tentar um reparo definitivo nesse estado é uma receita para o desastre. A abordagem de escolha é a Cirurgia de Controle de Danos (CCD), uma estratégia abreviada focada na sobrevivência. Os objetivos são:

  1. Controle Rápido da Hemorragia: Geralmente através do tamponamento do órgão com compressas cirúrgicas.
  2. Controle da Contaminação: Se houver lesões intestinais, elas são controladas sem reconstrução imediata.
  3. Fechamento Abdominal Temporário: O abdômen é deixado aberto (peritoniostomia) para evitar a síndrome compartimental.

Após esta cirurgia rápida, o paciente retorna à UTI para reanimação intensiva. Somente 24 a 48 horas depois, mais estável, ele será levado novamente ao centro cirúrgico para o reparo definitivo. A CCD é a ponte que permite que os pacientes mais graves sobrevivam à agressão inicial para, então, serem tratados de forma definitiva.


A jornada pelo tratamento conservador do trauma hepático e esplênico revela uma medicina dinâmica, que substituiu dogmas por uma avaliação criteriosa e individualizada. A decisão, ancorada na estabilidade hemodinâmica, se desdobra em um processo de vigilância ativa, onde a tecnologia de imagem, a radiologia intervencionista e a cirurgia de controle de danos atuam em sinergia. Dominar este fluxo não é apenas seguir um protocolo, mas entender a fisiopatologia do trauma e estar preparado para agir no momento certo.

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