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Análise Profunda

Vasculites ANCA: Guia Completo sobre GPA (Wegener) e GEPA (Churg-Strauss)

Por ResumeAi Concursos
Anticorpo ANCA ativa neutrófilo na parede de um vaso sanguíneo, iniciando o processo de vasculite.

No complexo quebra-cabeça do diagnóstico reumatológico, poucas condições são tão desafiadoras quanto as vasculites associadas ao ANCA. Entre elas, a Granulomatose com Poliangiíte (GPA) e a Granulomatose Eosinofílica com Poliangiíte (GEPA) se destacam como duas entidades que, embora compartilhem um mecanismo autoimune, apresentam manifestações clínicas e prognósticos radicalmente distintos. Este guia foi elaborado para ser uma ferramenta definitiva, desvendando as nuances que separam a GPA da GEPA — desde a pista sorológica do ANCA até os achados clínicos e histopatológicos que selam o diagnóstico. Nosso objetivo é transformar a complexidade em clareza, capacitando você a navegar com segurança por este tema crucial.

O Universo das Vasculites ANCA-Associadas: Uma Visão Geral

No vasto campo da reumatologia e da nefrologia, as vasculites — inflamações dos vasos sanguíneos — representam um desafio diagnóstico e terapêutico. Dentro desse universo, existe um subgrupo particular: as vasculites associadas ao ANCA (VAA). Trata-se de um conjunto de doenças autoimunes, raras e potencialmente graves, que afetam predominantemente os vasos de pequeno calibre, como arteríolas, capilares e vênulas.

A sigla ANCA refere-se aos Anticorpos Anticitoplasma de Neutrófilos. Nas VAA, o sistema imune produz, por engano, anticorpos que atacam componentes do citoplasma desses neutrófilos. Uma vez ativados, os neutrófilos aderem à parede dos pequenos vasos e liberam enzimas e radicais livres que causam uma inflamação intensa, necrose (morte tecidual) e destruição vascular.

Existem dois tipos principais de ANCA, cuja identificação é crucial para o diagnóstico:

  • c-ANCA (padrão citoplasmático): Geralmente direcionado contra a enzima Proteinase 3 (PR3). Este padrão é fortemente associado à Granulomatose com Poliangiíte (GPA).
  • p-ANCA (padrão perinuclear): Tipicamente direcionado contra a enzima Mieloperoxidase (MPO). É o padrão mais encontrado na Poliangiíte Microscópica (PAM) e na Granulomatose Eosinofílica com Poliangiíte (GEPA).

Uma característica patológica marcante dessas doenças é a sua natureza pauci-imune. Isso significa que, na biópsia dos tecidos afetados (como rim ou pulmão), encontram-se poucos ou nenhuns depósitos de imunocomplexos. O dano é causado diretamente pela ativação celular mediada pelo ANCA, e não pelo acúmulo de complexos antígeno-anticorpo, como ocorre em outras doenças, como o lúpus.

O espectro das VAA é classicamente composto por três doenças principais:

  • Granulomatose com Poliangiíte (GPA), anteriormente conhecida como Granulomatose de Wegener.
  • Granulomatose Eosinofílica com Poliangiíte (GEPA), anteriormente chamada de Síndrome de Churg-Strauss.
  • Poliangiíte Microscópica (PAM).

Embora as três compartilhem o mecanismo central ligado ao ANCA, elas possuem características distintas. Neste guia, nosso foco será desvendar as duas entidades que, além da vasculite, caracterizam-se pela formação de granulomas: a GPA e a GEPA.

Granulomatose com Poliangiíte (GPA): A Tríade Clássica e o Diagnóstico

A Granulomatose com Poliangiíte (GPA), anteriormente conhecida como Granulomatose de Wegener, é uma vasculite granulomatosa necrotizante que afeta predominantemente vasos de pequeno e médio calibre. Sua apresentação clínica é classicamente descrita por uma tríade de acometimento de órgãos, que serve como pilar para a suspeita diagnóstica:

  1. Vias Aéreas Superiores: É o território mais frequentemente afetado, presente em mais de 90% dos pacientes. As manifestações incluem sinusite crônica refratária, rinorreia purulenta ou sanguinolenta e epistaxe recorrente. Com o tempo, a inflamação pode destruir a cartilagem, resultando na deformidade característica de "nariz em sela". O envolvimento do ouvido, com otite média e perda auditiva, também é comum.

  2. Pulmões (Vias Aéreas Inferiores): O acometimento pulmonar ocorre em cerca de 80% dos casos. Pacientes podem apresentar tosse, dispneia e hemoptise. Radiologicamente, os achados mais típicos na tomografia de tórax são nódulos pulmonares, que frequentemente cavitam (formam uma cavidade no centro), e infiltrados que podem ser migratórios.

  3. Rins: O envolvimento renal manifesta-se como uma glomerulonefrite, que pode evoluir de forma rápida e agressiva (glomerulonefrite rapidamente progressiva), levando à perda de sangue e proteína na urina (hematúria e proteinúria) e culminando em insuficiência renal se não tratada.

A combinação de hemorragia alveolar (sangramento nos pulmões) e glomerulonefrite constitui a temida síndrome pulmão-rim, uma emergência médica da qual a GPA é uma das principais causas. Além da tríade, a GPA pode afetar olhos (com o característico pseudotumor orbitário), pele (púrpura palpável) e nervos periféricos, além de causar sintomas constitucionais como febre e perda de peso.

Diagnóstico da GPA

O diagnóstico é um quebra-cabeça que combina a clínica com achados laboratoriais e de imagem. A peça central é a pesquisa de ANCA: cerca de 80-90% dos pacientes com GPA ativa possuem o padrão citoplasmático (c-ANCA), com alvo na proteinase 3 (anti-PR3). A biópsia de um tecido acometido (seio da face, pulmão ou rim) confirma o diagnóstico ao revelar vasculite necrosante granulomatosa. Na biópsia renal, o achado é de uma glomerulonefrite necrosante e crescêntica, tipicamente pauci-imune.

Granulomatose Eosinofílica com Poliangiíte (GEPA): A Conexão Alérgica e Eosinofílica

A Granulomatose Eosinofílica com Poliangiíte (GEPA), ou Síndrome de Churg-Strauss, é uma forma distinta de VAA, profundamente ligada a processos alérgicos e à ação dos eosinófilos. Sua evolução clínica frequentemente ocorre em fases:

  1. Fase Alérgica: Quase todos os pacientes (cerca de 95%) têm um histórico de asma, que muitas vezes é de início tardio ou se agrava significativamente. Rinossinusite crônica e pólipos nasais são extremamente comuns.
  2. Fase Eosinofílica: Ocorre uma eosinofilia acentuada no sangue e nos tecidos, onde essas células se infiltram e causam danos.
  3. Fase Vasculítica: A inflamação dos vasos se manifesta, afetando múltiplos sistemas.

As manifestações clínicas refletem essa fisiopatologia única:

  • Sistema Nervoso Periférico: O envolvimento é uma marca da doença (cerca de 75% dos casos), com a mononeurite múltipla (ex: "pé caído") sendo a forma mais comum.
  • Coração: O envolvimento cardíaco é uma das complicações mais graves. A miocardite eosinofílica pode levar à insuficiência cardíaca e é a principal causa de mortalidade na GEPA.
  • Pulmões: Além da asma, podem surgir infiltrados pulmonares migratórios.
  • Pele: O acometimento cutâneo é muito frequente, com púrpura palpável e nódulos.
  • Rins: Diferentemente da GPA, o acometimento renal grave (glomerulonefrite) é muito menos comum.

Diagnóstico da GEPA

O achado laboratorial mais consistente é a eosinofilia periférica acentuada. Embora classificada como VAA, o ANCA só é positivo em 40% a 60% dos pacientes. Quando presente, o padrão mais comum é o p-ANCA, com especificidade para a mieloperoxidase (anti-MPO). A ausência de ANCA não exclui o diagnóstico. O padrão-ouro é a biópsia de um tecido afetado (pele, nervo), que revela vasculite necrosante com intensa infiltração de eosinófilos e granulomas extravasculares eosinofílicos.

GPA vs. GEPA: Um Comparativo para o Diagnóstico Diferencial

Embora ambas pertençam ao espectro das VAA, a GPA e a GEPA são entidades distintas. Compreender suas diferenças é fundamental para a correta abordagem terapêutica.

Tabela Comparativa Rápida: GPA vs. GEPA

| Característica | GPA (Granulomatose de Wegener) | GEPA (Síndrome de Churg-Strauss) | | :--- | :--- | :--- | | Gatilho Clínico | Sinusite / Acometimento de Vias Aéreas Superiores | Asma / Atopia | | Órgão-Alvo Chave | Rins (Glomerulonefrite) | Coração, Nervos Periféricos | | Achado Laboratorial| Leucocitose | Eosinofilia Acentuada | | ANCA Típico | c-ANCA (anti-PR3) | p-ANCA (anti-MPO) | | Nódulos Pulmonares | Frequentes e com cavitação | Podem ocorrer, mas sem cavitação | | Histopatologia | Granulomas necrosantes | Granulomas e infiltrados eosinofílicos |

Princípios de Tratamento e Pontos-Chave

O tratamento das vasculites ANCA é dividido em duas fases: indução da remissão e manutenção.

Terapia de Indução: Controlando a Agressão Inicial

O objetivo é controlar rapidamente a inflamação. Para casos graves, como a Síndrome Pulmão-Rim, a abordagem é agressiva:

  • Pulsoterapia com Glicocorticoides: Altas doses de Metilprednisolona intravenosa.
  • Imunossupressores Potentes: Associados à pulsoterapia, as opções de primeira linha são a Ciclofosfamida ou o Rituximabe.
  • Plasmaférese: Pode ser usada em casos de extrema gravidade para "filtrar" os anticorpos ANCA e outros mediadores inflamatórios do sangue.

Terapia de Manutenção: Prevenindo Recaídas

Após 3 a 6 meses, a terapia é ajustada para manter a doença inativa com medicamentos de menor toxicidade a longo prazo, como Azatioprina, Metotrexato ou Rituximabe em doses de manutenção.

Pontos-Chave para o Raciocínio Clínico

  • Natureza Pauci-imune: As VAA cursam com níveis de complemento (C3 e C4) normais, um diferencial importante para outras causas de glomerulonefrite.
  • Marcadores Autoimunes: A presença de FAN (Fator Antinuclear) positivo não é uma característica esperada na GPA.
  • Urgência: A síndrome pulmão-rim é uma emergência médica que exige diagnóstico e tratamento imediatos para evitar danos irreversíveis.

Dominar as diferenças entre GPA e GEPA é mais do que um exercício acadêmico; é uma habilidade clínica essencial que impacta diretamente o prognóstico do paciente. Da pista inicial da sinusite e do c-ANCA na GPA à tríade de asma, eosinofilia e p-ANCA na GEPA, cada detalhe constrói um perfil diagnóstico único. Reconhecer esses padrões permite uma intervenção terapêutica rápida e direcionada, transformando o curso de doenças que, de outra forma, poderiam ser devastadoras.

Agora que você aprofundou seu conhecimento sobre as nuances que separam a GPA da GEPA, que tal colocar sua capacidade de diagnóstico à prova? Preparamos algumas Questões Desafio para você consolidar os conceitos mais importantes. Vamos lá