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Análise Profunda

Bulhas Cardíacas: Guia Completo de Ausculta (B1, B2, B3, B4) e Desdobramentos

Por ResumeAi Concursos
Fonocardiograma com a bulha cardíaca B1 e o desdobramento da bulha B2, representada por dois picos próximos.

O estetoscópio é mais do que um símbolo da medicina; é uma ferramenta poderosa para decifrar a linguagem do coração. Cada batida, cada som, conta uma história sobre a saúde hemodinâmica do paciente. No entanto, para o estudante ou profissional em formação, a ausculta cardíaca pode parecer um desafio complexo, repleto de nuances. Este guia foi elaborado para transformar essa complexidade em clareza. Nosso objetivo é ir além do "TUM-TÁ" básico, capacitando você a identificar com confiança as bulhas fundamentais (B1, B2), as bulhas acessórias (B3, B4) e os desdobramentos, correlacionando cada som à sua fisiopatologia e significado clínico. Prepare-se para afinar seus ouvidos e transformar sua ausculta em um instrumento de diagnóstico preciso.

Os Sons Fundamentais do Coração: Dominando a Primeira (B1) e Segunda (B2) Bulhas

Ao posicionar o estetoscópio sobre o precórdio, os primeiros sons que buscamos identificar são as duas bulhas cardíacas fundamentais: a primeira (B1) e a segunda (B2). Juntas, elas compõem o ritmo familiar "TUM-TÁ" que define o ciclo cardíaco. Dominar a ausculta e a fisiologia desses dois sons é a base para qualquer avaliação cardíaca precisa.

A Primeira Bulha Cardíaca (B1): O Início da Sístole

A primeira bulha, ou B1, é o som que marca o início da sístole ventricular. Ela é gerada pela súbita desaceleração do sangue e pela vibração dos folhetos valvares durante o fechamento das valvas atrioventriculares (AV).

  • Mecanismo e Componentes: Embora auscultada como um som único, B1 é composta por dois eventos: o fechamento da valva mitral (M1) seguido quase que imediatamente pelo fechamento da valva tricúspide (T1). Como a pressão no ventrículo esquerdo se eleva mais rapidamente, o componente M1 ocorre ligeiramente antes e é mais intenso que o T1.
  • Características na Ausculta Normal:
    • Som: É um som de timbre mais grave e duração ligeiramente maior que B2, classicamente descrito como "TUM".
    • Localização: Sua máxima intensidade é encontrada nos focos apicais (mitral e tricúspide). Uma regra prática fundamental é que, em uma ausculta normal, B1 é mais intensa que B2 no ápice cardíaco.
    • Sincronia: B1 é praticamente simultânea ao pulso carotídeo, uma manobra útil para diferenciá-la de B2 em casos de taquicardia.

A Segunda Bulha Cardíaca (B2): O Começo da Diástole

Seguindo a sístole, a segunda bulha, ou B2, sinaliza o fim da ejeção ventricular e o início da diástole. Seu som é produzido pelo fechamento das valvas semilunares (aórtica e pulmonar).

  • Mecanismo e Componentes: Assim como B1, a B2 também possui dois componentes. O primeiro é o fechamento da valva aórtica (A2), e o segundo é o fechamento da valva pulmonar (P2). Em condições normais, A2 precede P2, pois a sístole do ventrículo esquerdo termina um pouco antes da do ventrículo direito.
  • Características na Ausculta Normal:
    • Som: B2 é mais aguda, curta e nítida, descrita como "".
    • Localização: É melhor auscultada nos focos da base (aórtico e pulmonar), onde sua intensidade normalmente supera a de B1.
    • Desdobramento Fisiológico: Uma característica marcante e normal da B2 é seu desdobramento fisiológico. Durante a inspiração, o aumento do retorno venoso para o coração direito prolonga o tempo de ejeção do ventrículo direito, atrasando o fechamento da valva pulmonar. O resultado é a percepção de dois sons distintos (A2-P2) durante a inspiração, que voltam a se fundir em um som único na expiração.

Bulhas Acessórias (B3 e B4): Os Ritmos de Galope

Além dos sons fundamentais, a ausculta pode revelar bulhas acessórias que oferecem pistas diagnósticas valiosas sobre a função ventricular. As mais importantes são a terceira (B3) e a quarta (B4) bulhas, conhecidas como ritmos de galope. Ambas são sons de baixa frequência, ocorrem durante a diástole e são mais bem audíveis com a campânula do estetoscópio.

A Terceira Bulha (B3): O Galope Ventricular

A B3 é um som que ocorre no início da diástole, logo após a B2. Sua gênese está na desaceleração súbita do fluxo sanguíneo que entra em um ventrículo durante a fase de enchimento rápido. Essa vibração da parede ventricular é o que gera a B3. A cadência rítmica criada (B1-B2-B3) é frequentemente comparada à pronúncia da palavra "Ken-TUCK-y".

  • Significado Clínico:
    • Fisiológica: Em crianças, adultos jovens (< 40 anos) e gestantes, a B3 pode ser um achado normal, refletindo um enchimento ventricular vigoroso.
    • Patológica: Em adultos com mais de 40 anos, a B3 é quase sempre um sinal de disfunção sistólica e/ou sobrecarga de volume. É um achado clássico na insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER), sendo um dos critérios maiores de Framingham para o diagnóstico de IC.

Para otimizar a ausculta, posicione o paciente em decúbito lateral esquerdo e aplique a campânula do estetoscópio sobre o ictus cordis.

A Quarta Bulha (B4): O Galope Atrial

A B4 é um som que ocorre no final da diástole (pré-sístole), imediatamente antes da B1. Ela é gerada pela contração atrial ("chute atrial") que impulsiona o sangue contra uma parede ventricular rígida, com complacência diminuída. A cadência (B4-B1-B2) é comparada à palavra "TEN-nes-see".

  • Significado Clínico: A B4 é quase sempre patológica e é o marcador semiológico da disfunção diastólica. Indica que o ventrículo perdeu sua capacidade de relaxar adequadamente. As principais causas incluem:
    • Hipertensão arterial sistêmica de longa data.
    • Estenose aórtica grave.
    • Cardiomiopatia hipertrófica.
    • Isquemia miocárdica aguda.
  • Ponto-chave: A B4 depende de uma contração atrial organizada. Portanto, ela está ausente na fibrilação atrial, pois não há uma sístole atrial efetiva para gerar o som.

Diferenciando B3 de B4: Resumo Clínico

| Característica | Terceira Bulha (B3) | Quarta Bulha (B4) | | :--- | :--- | :--- | | Timing | Início da diástole (após B2) | Final da diástole (antes de B1) | | Cadência | "Ken-TUCK-y" (B1-B2-B3) | "TEN-nes-see" (B4-B1-B2) | | Mecanismo | Enchimento ventricular rápido em um ventrículo dilatado/sobrecarregado. | Contração atrial contra um ventrículo rígido (não complacente). | | Associação Primária | Disfunção Sistólica (Sobrecarga de volume) | Disfunção Diastólica (Sobrecarga de pressão/rigidez) | | Presença na Fibrilação Atrial | Pode estar presente | Ausente |

Desvendando o Desdobramento da Segunda Bulha (B2): Do Fisiológico ao Patológico

O desdobramento de B2 ocorre quando seus componentes aórtico (A2) e pulmonar (P2) se separam no tempo. A interpretação correta deste fenômeno é uma das habilidades mais refinadas da ausculta cardíaca. Conforme já mencionado, o desdobramento fisiológico é um achado normal, presente na inspiração e ausente na expiração, devido ao aumento do retorno venoso para o coração direito. Quando o padrão se desvia dessa dinâmica, torna-se um sinal clínico valioso.

Desdobramento Amplo e Persistente

Neste padrão, o desdobramento é audível tanto na inspiração quanto na expiração, embora se acentue na inspiração. A causa é um atraso no esvaziamento do ventrículo direito (VD), fazendo com que P2 ocorra consistentemente mais tarde.

  • Causas: Bloqueio de Ramo Direito (BRD), Estenose Pulmonar, Hipertensão Pulmonar.

Desdobramento Fixo

O desdobramento é amplo e, crucialmente, não se altera com a respiração. É o achado clássico e altamente sugestivo da Comunicação Interatrial (CIA). O shunt de sangue da esquerda para a direita mantém o VD com um volume cronicamente elevado, eliminando a variação respiratória normal no seu tempo de ejeção.

Desdobramento Paradoxal (ou Invertido)

O comportamento é o oposto do fisiológico: o desdobramento é audível na expiração e desaparece na inspiração. Isso ocorre por um atraso significativo no fechamento da valva aórtica (A2), que passa a ocorrer depois de P2.

  • Causas: Estenose Aórtica Grave, Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE), Hipertensão Arterial Sistêmica grave.

Alterações na Intensidade das Bulhas (Fonese): O que o Volume dos Sons Revela

A intensidade ou volume dos sons cardíacos — a fonese — reflete diretamente as condições hemodinâmicas e estruturais. Uma bulha pode estar mais "alta" (hiperfonética) ou mais "baixa" (hipofonética).

Hiperfonese: Quando os Sons Falam Mais Alto

  • Hiperfonese de B1: Ocorre quando as valvas AV se fecham de forma abrupta e energética.
    • Causas: Estenose Mitral (B1 "piparoteante"), estados de alto débito (febre, anemia, taquicardia).
  • Hiperfonese de B2: Acontece quando a pressão na aorta ou na artéria pulmonar está elevada.
    • Causas: Hipertensão Arterial Sistêmica (hiperfonese de A2), Hipertensão Pulmonar (hiperfonese de P2).

Hipofonese: O Sinal de um Som Abafado

  • Hipofonese de B1: Ocorre quando o fechamento das valvas AV é menos vigoroso.
    • Causas: Bloqueio AV de 1º grau (intervalo PR longo), Estenose Mitral calcificada (mobilidade restrita), Insuficiência Mitral.
  • Hipofonese de B2: Indica um fechamento menos energético das valvas semilunares.
    • Causas: Estenose Aórtica ou Pulmonar Grave (imobilidade dos folhetos).
  • Hipofonese Global (B1 e B2): Quando todas as bulhas estão abafadas, a causa pode ser uma barreira na transmissão do som.
    • Causas: Derrame Pericárdico (componente da Tríade de Beck), Enfisema Pulmonar, Obesidade.

Pérolas Clínicas e Diagnóstico Diferencial na Ausculta Cardíaca

A maestria da ausculta reside na capacidade de interpretar os sons dentro de um cenário clínico e diferenciar achados semelhantes com significados distintos.

A Ausculta na Fibrilação Atrial (FA)

A FA, com seu ritmo "irregularmente irregular", cria um ambiente acústico único:

  • Ausência da Quarta Bulha (B4): Como não há contração atrial coordenada, a B4 está obrigatoriamente ausente.
  • Variação da Intensidade da Primeira Bulha (B1): A intensidade de B1 varia a cada batimento devido ao enchimento ventricular irregular. Ciclos curtos geram uma B1 hipofonética; ciclos longos, uma B1 hiperfonética.
  • Presença de Terceira Bulha (B3): A B3 pode estar presente, pois a disfunção ventricular que a causa frequentemente coexiste com a FA.

O Jogo das Diferenças: B3, B4 e Desdobramentos

  • B3 vs. Desdobramento de B1: B3 é um som de baixa frequência (campânula) no início da diástole (B1-B2-B3). O desdobramento de B1 é de alta frequência (diafragma) no início da sístole (TRUM-tá).
  • B4 vs. Desdobramento de B2: B4 é um som de baixa frequência (campânula) no final da diástole (-TUM-tá). O desdobramento de B2 é de alta frequência (diafragma) no final da sístole e, se fisiológico, varia com a respiração.

Dominar esses pontos transforma a ausculta em uma poderosa ferramenta de diagnóstico à beira do leito.


Ao dominar a identificação das bulhas cardíacas, desde o ritmo fundamental de B1 e B2 até os sinais mais sutis como os galopes de B3 e B4, os desdobramentos patológicos e as variações de intensidade, você transforma o estetoscópio em uma extensão do seu raciocínio clínico. Cada som auscultado passa a ter um significado, pintando um quadro detalhado da função cardíaca do paciente antes mesmo de qualquer exame de imagem. A ausculta não é apenas ouvir; é interpretar a complexa sinfonia do coração.

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