Mudanças no ciclo menstrual são comuns, mas quando se tornam uma preocupação? O Sangramento Uterino Anormal (SUA) é um termo que abrange desde pequenos escapes até fluxos intensos, gerando dúvidas e ansiedade. Para trazer clareza a este cenário, a medicina desenvolveu uma ferramenta poderosa e didática: o sistema PALM-COEIN. Este guia foi criado para decodificar essa classificação, ajudando você a entender as possíveis causas do SUA e os primeiros passos do diagnóstico, transformando incerteza em conhecimento.
O Que Realmente Significa Ter um Sangramento Uterino Anormal (SUA)?
Para entender o que é um sangramento anormal, primeiro precisamos definir o que é considerado normal. Um ciclo menstrual regular, para a maioria das mulheres, ocorre a cada 24 a 38 dias, com um sangramento que dura de 3 a 8 dias e um volume de perda sanguínea que não interfere significativamente na qualidade de vida.
O Sangramento Uterino Anormal (SUA) é, de forma simples, qualquer sangramento que foge desse padrão esperado. Refere-se a qualquer alteração na frequência, regularidade, duração ou volume do fluxo menstrual. Se o seu ciclo se tornou imprevisível, o fluxo ficou muito mais intenso ou se você está sangrando fora do período menstrual, você pode estar experienciando um episódio de SUA.
Historicamente, a medicina usou uma série de termos para descrever esses padrões. Embora a classificação moderna seja mais focada nas causas, conhecer esses termos ainda é útil:
- Menorragia: Refere-se a um sangramento menstrual excessivamente intenso (perda superior a 80 ml por ciclo) e/ou prolongado (duração superior a 8 dias). A mulher pode precisar trocar absorventes a cada uma ou duas horas ou notar a passagem de grandes coágulos.
- Metrorragia: Descreve o sangramento que ocorre entre os períodos menstruais, também conhecido como sangramento intermenstrual ou "escape" (spotting).
- Menometrorragia: Um termo que combina os dois anteriores, usado para descrever um sangramento que é ao mesmo tempo intenso, prolongado e irregular. Esta nomenclatura é cada vez menos utilizada na prática clínica moderna por ser considerada imprecisa.
É crucial entender que o SUA não é uma doença em si, mas sim um sinal importante de que algo pode estar desregulado. Por isso, qualquer alteração no seu padrão menstrual não deve ser normalizada ou ignorada. A avaliação por um ginecologista é fundamental para investigar a causa e definir o tratamento mais adequado.
Decifrando o Código: A Classificação PALM-COEIN da FIGO
Diante da complexidade do SUA, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) desenvolveu um sistema de classificação universalmente aceito e brilhantemente didático: o PALM-COEIN. Pense nele como um mapa investigativo que organiza as nove principais categorias de causas em dois grupos fundamentais.
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PALM (Causas Estruturais): Engloba as causas anatômicas e visíveis por meio de exames de imagem ou análise de tecido. Uma forma de memorizar é pensar na palma da mão (palm em inglês), algo que podemos ver e tocar.
- Pólipo
- Adenomiose
- Leiomioma
- Malignidade e Hiperplasia
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COEIN (Causas Não Estruturais): Inclui as causas que não estão relacionadas a uma anormalidade anatômica do útero, como desordens sistêmicas, hormonais ou funcionais. Uma forma de lembrar é pensar em moeda (coin em inglês), que tem dois lados, representando a outra face do problema.
- Coagulopatia
- Disfunção Ovulatória
- Endometrial
- Iatrogênica
- Não classificada
Essa classificação padronizada revolucionou a abordagem do SUA, permitindo uma investigação mais precisa, um tratamento mais direcionado e uma melhor comunicação entre profissionais de saúde.
Causas Estruturais (PALM): O Que Pode Ser Visto no Útero?
O grupo PALM representa as alterações físicas na arquitetura do útero que podem ser identificadas em exames.
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P - Pólipos: São crescimentos benignos, semelhantes a "verrugas", que se projetam da camada interna do útero, o endométrio. Por serem vascularizados e frágeis, podem causar sangramentos irregulares, especialmente após relações sexuais ou fora do período menstrual.
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A - Adenomiose: Ocorre quando o tecido endometrial cresce para dentro da parede muscular do útero (o miométrio). Esse tecido "infiltrado" responde aos ciclos hormonais, causando inflamação, aumento do volume uterino, sangramento menstrual intenso (menorragia) e cólicas severas.
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L - Leiomiomas (Miomas): São tumores benignos muito comuns que se desenvolvem a partir do músculo liso do útero. O impacto no sangramento depende fundamentalmente de sua localização:
- Miomas submucosos: São os que mais causam sangramento. Por crescerem logo abaixo do endométrio e se projetarem para a cavidade uterina, eles distorcem a anatomia, aumentam a área de superfície endometrial e dificultam a contração uterina.
- Miomas intramurais: Localizados na espessura da parede muscular. Quando muito volumosos, também podem levar a um aumento do fluxo.
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M - Malignidade e Hiperplasia: Esta categoria engloba as condições mais graves, embora menos comuns.
- Hiperplasia Endometrial: É um espessamento anormal do endométrio, causado por um estímulo estrogênico excessivo. É considerada uma lesão pré-maligna.
- Malignidade: Refere-se ao câncer, principalmente o de endométrio. Ambas as condições geram um tecido endometrial desorganizado e frágil, que sangra com facilidade. A investigação para excluir malignidade é mandatória em mulheres na pós-menopausa com qualquer sangramento e em mulheres mais jovens com fatores de risco.
Causas Não Estruturais (COEIN): Quando o Problema Não é Visível
Enquanto o grupo PALM foca em anomalias visíveis, o COEIN investiga problemas funcionais ou sistêmicos. Muitos desses casos eram antigamente agrupados sob o termo genérico de Sangramento Uterino Disfuncional (SUD), que era um diagnóstico de exclusão. Hoje, o sistema COEIN especifica melhor essas causas.
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C - Coagulopatias: Refere-se a distúrbios sistêmicos da coagulação sanguínea, como a Doença de von Willebrand. Podem apresentar sangramento menstrual excessivo desde a primeira menstruação (menarca) e são investigados com exames de sangue.
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O - Disfunção Ovulatória: Uma das causas mais comuns de SUA. Ocorre quando a ovulação não acontece de forma regular (ciclos anovulatórios). Sem ovulação, não há produção adequada de progesterona para estabilizar o endométrio, que cresce de forma descontrolada e instável, levando a sangramentos irregulares e imprevisíveis. É a principal causa de sangramento irregular na adolescência e na perimenopausa.
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E - Endometriais: O problema reside no próprio endométrio. Mesmo com um ciclo hormonal normal, o revestimento uterino pode ter uma desregulação local em seus mecanismos de controle do sangramento (hemostasia), seja por inflamação crônica ou desequilíbrios moleculares.
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I - Iatrogênicas: Causas de sangramento provocadas por intervenções médicas ou medicamentos, como dispositivos intrauterinos (DIU), terapia hormonal, anticoagulantes ou certos antidepressivos.
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N - Não classificadas de outra forma: Categoria residual para condições raras ou mal compreendidas que não se encaixam nas categorias anteriores.
A Investigação Diagnóstica: O Papel Central da Ultrassonografia
Após a conversa com o médico e o exame físico, a ultrassonografia pélvica, especialmente a via transvaginal, assume o papel de protagonista na investigação. É o exame de primeira linha para visualizar a anatomia do útero e identificar as causas estruturais do grupo PALM.
A ultrassonografia transvaginal permite ao médico avaliar com precisão:
- O Miométrio: Para detectar leiomiomas (miomas) e sinais de adenomiose.
- A Cavidade Endometrial: Para identificar pólipos e outras lesões.
- A Espessura do Endométrio: Um espessamento, especialmente na pós-menopausa, é um sinal de alerta para investigar malignidade.
Se a ultrassonografia inicial for inconclusiva, o médico pode indicar exames complementares como a histerossonografia (ultrassom com infusão de soro fisiológico para melhor visualização da cavidade) ou a ressonância magnética (RM) da pelve em casos selecionados.
É fundamental entender que, se a ultrassonografia não revela nenhuma alteração estrutural, o foco da investigação se volta para as causas não estruturais (COEIN). Um ultrassom "normal" não encerra a investigação; ele apenas a direciona para um novo caminho.
Compreender o Sangramento Uterino Anormal deixa de ser um labirinto quando se tem o mapa certo. O sistema PALM-COEIN oferece exatamente isso: uma estrutura lógica que guia a investigação das causas, sejam elas estruturais (PALM) ou não (COEIN). O diagnóstico preciso, iniciado pela anamnese e frequentemente consolidado pela ultrassonografia, é a peça-chave que diferencia um tratamento eficaz de uma abordagem genérica. Lembre-se: a informação capacita, mas a avaliação de um ginecologista é insubstituível para transformar conhecimento em ação, restaurando sua saúde e bem-estar.
Agora que você desvendou os segredos do SUA e do sistema PALM-COEIN, que tal colocar seu aprendizado à prova? Preparamos algumas Questões Desafio para você testar seus conhecimentos e consolidar o que aprendeu. Vamos lá