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Análise Profunda

SIRS: O Que É, Critérios Diagnósticos e a Relação Crucial com a Sepse

Por ResumeAi Concursos
Tempestade de citoquinas inflamatórias, a base molecular da SIRS e da sepse.

Na linha de frente da medicina de urgência e da terapia intensiva, poucas siglas carregam tanto peso e ambiguidade quanto SIRS. A Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica é um conceito fundamental, mas sua relação evolutiva com a sepse pode gerar dúvidas. Este guia foi elaborado para ser sua referência definitiva, desmistificando a SIRS desde sua base fisiopatológica até sua aplicação prática no dia a dia. Nosso objetivo é capacitar você, profissional de saúde, a identificar seus critérios com precisão, compreender seu papel atual como uma ferramenta de triagem indispensável e, mais importante, saber como agir diante dela, diferenciando uma resposta inflamatória estéril do início de um quadro séptico potencialmente fatal.

O Que é a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS)?

A Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica, ou SIRS (do inglês, Systemic Inflammatory Response Syndrome), pode ser entendida como o alarme de incêndio generalizado do nosso organismo. Trata-se de uma resposta inflamatória disseminada e intensa que o corpo desencadeia diante de uma agressão grave, seja ela de origem infecciosa ou não.

É fundamental compreender que a SIRS não é exclusiva de infecções. Embora um patógeno seja um gatilho comum, a SIRS pode ser provocada por uma vasta gama de insultos não infecciosos, como:

  • Traumatismos extensos (acidentes, grandes cirurgias)
  • Queimaduras graves
  • Pancreatite aguda
  • Isquemia tecidual (falta de oxigênio em tecidos)

A base fisiopatológica para esse alarme sistêmico é a chamada cascata de citocinas. Quando o corpo detecta uma agressão, o sistema imunológico libera massivamente mediadores químicos pró-inflamatórios, como o fator de necrose tumoral (TNF) e as interleucinas (IL-1, IL-6). Em uma situação controlada, elas são benéficas. Na SIRS, contudo, essa liberação se torna excessiva e desregulada, fazendo com que a inflamação, que deveria ser uma defesa local, extravase para todo o sistema e cause as alterações fisiológicas que definem a síndrome. Mas como identificar objetivamente essa tempestade inflamatória? A resposta está em quatro critérios clínicos bem definidos.

Os 4 Critérios de SIRS: Como Identificar na Prática Clínica

Para que a SIRS seja diagnosticada, não basta uma impressão clínica geral. O diagnóstico é objetivo, baseado na presença de dois ou mais dos quatro critérios a seguir, sinalizando um estado de alerta fisiológico que exige atenção imediata. Embora as diretrizes mais recentes de sepse (Sepsis-3) tenham mudado o foco diagnóstico, esses critérios continuam sendo uma ferramenta de triagem extremamente valiosa e amplamente utilizada por sua alta sensibilidade.

  1. Alteração da Temperatura Corporal A resposta inflamatória sistêmica frequentemente desregula o termostato central do corpo. O critério é preenchido se a temperatura do paciente estiver:

    • Acima de 38°C (febre)
    • Abaixo de 36°C (hipotermia) A hipotermia pode indicar uma resposta mais grave e um prognóstico pior, especialmente em pacientes idosos ou imunocomprometidos.
  2. Frequência Cardíaca Acelerada (Taquicardia) O coração acelera para tentar compensar as demandas metabólicas aumentadas e a vasodilatação periférica. O critério é positivo para:

    • Frequência cardíaca > 90 batimentos por minuto (bpm)
  3. Alteração Respiratória (Taquipneia ou Hiperventilação) O sistema respiratório também responde rapidamente à agressão sistêmica para eliminar CO₂ e compensar uma possível acidose metabólica. Este critério é atendido por:

    • Frequência respiratória > 20 incursões por minuto (ipm)
    • OU Pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial (PaCO₂) < 32 mmHg
  4. Alteração na Contagem de Leucócitos O hemograma reflete diretamente a resposta imune. A inflamação sistêmica pode causar uma mobilização massiva ou um consumo agudo de glóbulos brancos. O critério é preenchido por:

    • Leucocitose: contagem total de leucócitos > 12.000 células/mm³
    • Leucopenia: contagem total de leucócitos < 4.000 células/mm³
    • Desvio à Esquerda: presença de mais de 10% de formas jovens de neutrófilos (bastões).

A Relação com a Sepse: Da Definição Histórica ao Paradigma Atual

Para compreender o papel atual da SIRS, é crucial entender sua relação histórica com o conceito de sepse. Durante muitos anos, o consenso Sepsis-2 definia a sepse de forma direta: a presença de SIRS em um paciente com um foco infeccioso. A fórmula era simples: Infecção + SIRS = Sepse.

Essa abordagem tinha a grande vantagem da alta sensibilidade, identificando um grande número de pacientes em risco. Contudo, sua principal desvantagem era a baixa especificidade. Como vimos, diversas condições não infecciosas podem desencadear a SIRS, o que levava a um diagnóstico excessivo de sepse e dificultava a distinção entre inflamação estéril e infecção.

Em 2016, o consenso Sepsis-3 redefiniu o cenário, abandonando a dependência da SIRS para o diagnóstico. A nova definição focou no elemento central da sepse: a disfunção orgânica com risco de vida, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro à infecção. A sepse passou a ser identificada por uma alteração aguda no escore SOFA (Sequential Organ Failure Assessment) de ≥ 2 pontos. Para triagem rápida, foi introduzido o qSOFA (quick SOFA), que sinaliza alto risco se o paciente com infecção suspeita apresentar pelo menos dois dos seguintes critérios: alteração do nível de consciência, pressão arterial sistólica ≤ 100 mmHg ou frequência respiratória ≥ 22 irpm.

Apesar dessa mudança, a SIRS não foi descartada. Pelo contrário, consolidou-se como uma ferramenta de triagem valiosa. Sua alta sensibilidade a torna uma primeira "rede de segurança" ideal, garantindo que potenciais casos de sepse não passem despercebidos nas emergências e enfermarias, acionando uma investigação mais aprofundada.

Cenários Clínicos Comuns: Quando a SIRS Não é Infecção

Um dos maiores desafios clínicos é reconhecer que a SIRS frequentemente se manifesta na ausência de um agente infeccioso. O gatilho é a agressão severa, e o corpo não distingue sua natureza inicial.

A Resposta Inflamatória ao Trauma Cirúrgico

Toda cirurgia é um trauma tecidual que desencadeia uma resposta inflamatória. É muito comum que pacientes apresentem febre nas primeiras 48 a 72 horas após um procedimento de médio ou grande porte. Frequentemente, essa febre não é infecciosa, mas sim uma manifestação da SIRS, causada por citocinas que atuam como pirógenos endógenos. Cirurgias de grande porte, como a cardíaca com circulação extracorpórea, são exemplos clássicos que induzem uma resposta inflamatória robusta e quase universal.

Outras Causas Não Infecciosas

Além da cirurgia, diversas outras condições ativam a mesma cascata inflamatória:

  • Grandes Traumas: Acidentes automobilísticos e lesões por esmagamento causam destruição tecidual maciça.
  • Grandes Queimaduras: A perda da barreira cutânea leva a uma das respostas inflamatórias mais intensas conhecidas.
  • Pancreatite Aguda: A inflamação do pâncreas libera enzimas que causam uma intensa reação sistêmica, sendo um modelo clássico de SIRS de origem não infecciosa.
  • Doenças Inflamatórias e Autoimunes: Crises agudas de doenças como lúpus ou doença de Crohn podem ser suficientes para preencher os critérios de SIRS.

O desafio para o médico é o diagnóstico diferencial. Diante de um paciente com febre, taquicardia e leucocitose, o raciocínio clínico, a história e o cenário são cruciais para distinguir uma resposta fisiológica esperada de uma complicação grave como a sepse.

Particularidades da SIRS em Pediatria: Critérios e Abordagem

Abordar a SIRS em crianças exige uma perspectiva distinta, pois os parâmetros fisiológicos — como frequência cardíaca e respiratória — mudam drasticamente com a idade. Por essa razão, os critérios diagnósticos pediátricos foram adaptados. O diagnóstico é estabelecido na presença de pelo menos dois dos quatro critérios, com uma regra crucial: um deles deve ser, obrigatoriamente, a alteração da temperatura ou a alteração na contagem de leucócitos.

Os critérios são ajustados para cada faixa etária:

  • Alteração da Temperatura Corporal: Febre (temperatura central > 38,5°C) ou hipotermia (< 36°C).
  • Alteração da Frequência Cardíaca: Taquicardia persistente acima do valor de referência para a idade. Em crianças menores de 1 ano, a bradicardia também é um critério e pode indicar maior gravidade.
  • Alteração da Frequência Respiratória: Taquipneia acima do normal para a faixa etária ou necessidade de ventilação mecânica por processo agudo.
  • Alteração Leucocitária: Leucocitose ou leucopenia para a idade, ou presença de mais de 10% de neutrófilos imaturos (bastões).

A mensagem central é a dependência da idade. Uma frequência cardíaca de 150 bpm pode ser normal em um lactente, mas é um claro sinal de alarme em um escolar. Portanto, a avaliação de uma criança com suspeita de SIRS é inseparável da consulta a tabelas de referência pediátrica para um diagnóstico preciso e manejo rápido.

Identifiquei SIRS, e Agora? Abordagem e Manejo Clínico

Identificar um paciente com SIRS não é um ponto final, mas sim um sinal de alerta crítico que exige ação imediata e estruturada. A abordagem pode ser dividida em três pilares:

1. Busca Ativa e Tratamento da Causa Subjacente

A SIRS é uma síndrome, não uma doença. O passo mais importante é investigar agressivamente o gatilho, seja ele infeccioso (exigindo culturas e início rápido de antibióticos) ou não infeccioso (trauma, pancreatite, queimaduras), direcionando o tratamento à condição de base.

2. Monitoramento Contínuo para Detectar Disfunção Orgânica

O verdadeiro perigo da SIRS é a progressão para a falência de múltiplos órgãos. Um paciente com SIRS deve ser monitorado de perto para sinais de disfunção:

  • Respiratória: Queda na saturação de O₂, aumento da necessidade de oxigênio.
  • Cardiovascular: Hipotensão, taquicardia persistente.
  • Renal: Redução do débito urinário, aumento da creatinina.
  • Neurológica: Alteração do nível de consciência.
  • Hepática: Aumento de bilirrubinas e transaminases.
  • Hematológica: Queda no número de plaquetas.

3. Estratégias Terapêuticas de Suporte

Não existe uma "cura" para a SIRS; o manejo foca em dar suporte ao organismo enquanto a causa primária é tratada. Isso inclui suporte hemodinâmico (reposição volêmica, vasopressores se necessário), suporte ventilatório (especialmente em caso de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo - SDRA, com ventilação protetora) e controle metabólico (glicemia, suporte nutricional).

Em resumo, identificar a SIRS é o ponto de partida. A conduta subsequente é uma corrida contra o tempo para encontrar a causa, monitorar a função dos órgãos e oferecer um suporte fisiológico robusto para que o paciente supere essa tempestade inflamatória.


Dominar o conceito de SIRS é mais do que memorizar critérios; é entender a linguagem do corpo sob estresse agudo. Vimos que a SIRS é a manifestação de uma inflamação sistêmica que pode ser desencadeada por inúmeras agressões, não apenas infecções. Embora o Sepsis-3 tenha redefinido o diagnóstico de sepse com foco na disfunção orgânica, a SIRS mantém seu valor inestimável como uma ferramenta de triagem sensível e um sinal de alerta precoce. Reconhecê-la é o primeiro passo para uma investigação diligente e um manejo proativo, uma habilidade essencial para todo profissional de saúde que atua na linha de frente.

Agora que você dominou os conceitos essenciais da SIRS, que tal colocar seu conhecimento à prova? Preparamos algumas Questões Desafio para solidificar seu aprendizado e testar sua capacidade de aplicação clínica.