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Estudo Detalhado

Teste de Apneia na Morte Encefálica: Guia Definitivo do Protocolo Clínico

Por ResumeAi Concursos
Tronco encefálico, estrutura avaliada no teste de apneia para diagnóstico de morte encefálica.

O diagnóstico de morte encefálica é um dos momentos mais delicados e de maior responsabilidade na prática médica, com profundas implicações éticas, legais e humanas. No centro deste protocolo rigoroso, o teste de apneia se destaca como o procedimento clínico definitivo para confirmar a perda irreversível do drive respiratório central. Dada a sua natureza de alto risco e a ausência de margem para erros, dominar cada etapa deste teste não é apenas uma habilidade, mas um dever. Este guia foi elaborado para ser seu recurso definitivo, dissecando o protocolo passo a passo, desde os pré-requisitos indispensáveis até a interpretação dos resultados, capacitando você, profissional de saúde, a conduzir este procedimento com a máxima segurança, precisão e confiança.

O Papel Crucial do Teste de Apneia no Diagnóstico de Morte Encefálica

A Morte Encefálica (ME) é definida como a cessação completa e irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo o tronco encefálico. Enquanto os exames neurológicos avaliam a ausência de reflexos de tronco—como o fotomotor, o córneo-palpebral e o de tosse—, o teste de apneia tem um objetivo específico: confirmar a ausência definitiva do drive respiratório central. A respiração espontânea é uma das funções mais vitais controladas pelo tronco encefálico, e sua perda permanente é um dos pilares que sustentam o diagnóstico de ME.

O teste funciona como um desafio fisiológico máximo ao centro respiratório, localizado no bulbo. O procedimento se baseia no princípio de que o maior estímulo para a respiração é o acúmulo de dióxido de carbono (CO₂) no sangue. Ao desconectar o paciente da ventilação mecânica de forma controlada, permite-se que a pressão parcial de CO₂ (PaCO₂) se eleve. Em um indivíduo com função de tronco encefálico, mesmo que mínima, esse aumento dispararia um esforço respiratório. Na morte encefálica, essa resposta não ocorre.

É fundamental entender que o teste de apneia é o ponto de culminação da avaliação clínica. Conforme os protocolos, como o estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) no Brasil, ele é realizado uma única vez, após dois exames clínicos distintos confirmarem o coma aperceptivo (Escala de Coma de Glasgow 3) e a ausência de todos os outros reflexos de tronco. Ele não é um teste isolado, mas a demonstração funcional e irrefutável de que o centro de controle mais básico da vida cessou suas atividades.

Contexto Neurológico: Avaliação dos Reflexos e Exames Complementares

Antes de se considerar a apneia, o paciente deve apresentar um coma não perceptivo, com causa conhecida e irreversível, e ausência de resposta a todos os estímulos dolorosos centrais. A etapa seguinte é a avaliação sistemática dos reflexos do tronco cerebral. A ausência completa de resposta em todos os testes abaixo é um pré-requisito:

  • Reflexo Fotomotor (Pupilar): As pupilas devem estar fixas e não reativas a um feixe de luz intenso (midríase fixa e arreativa).
  • Reflexo Córneo-Palpebral: O toque na córnea com uma mecha de algodão ou gaze não deve provocar nenhum piscar de olhos.
  • Reflexo Oculocefálico (ROC ou "Olhos de Boneca"): Ao realizar uma rotação rápida da cabeça no plano horizontal, os olhos permanecem fixos em relação à órbita, movendo-se junto com a cabeça.
  • Provas Calóricas (Reflexo Oculovestibular): Após confirmar a integridade do tímpano, a instilação de água gelada (cerca de 50 mL) no conduto auditivo externo não provoca qualquer movimento ocular.
  • Reflexo de Tosse: A estimulação da traqueia ou carina com uma sonda de aspiração não elicia nenhuma resposta de tosse.

Reflexos Espinhais: Uma Distinção Crucial

Um ponto que pode gerar confusão é a presença de movimentos de origem medular. Após a morte encefálica, a medula espinhal pode permanecer funcional e, com a perda da inibição cerebral, pode haver uma exacerbação de reflexos espinhais. Movimentos como flexão das pernas, espasmos ou o "sinal de Lázaro" podem ocorrer. A presença destes reflexos de origem medular não invalida o diagnóstico de morte encefálica.

O Papel dos Exames Complementares

Em situações em que o teste de apneia é contraindicado (ex: instabilidade hemodinâmica severa, hipoxemia refratária) ou o exame neurológico não pode ser completo (ex: fratura de coluna cervical alta), a legislação prevê o uso de exames complementares para confirmar a ausência de função cerebral, como o Eletroencefalograma (EEG) ou o Doppler Transcraniano (DTC).

Pré-requisitos e Condições Essenciais para a Realização do Teste

A realização do teste de apneia só pode ser iniciada após a verificação rigorosa de um conjunto de pré-requisitos. Ignorar qualquer uma destas condições invalida o teste e o diagnóstico.

1. Estabilidade Hemodinâmica e Metabólica

O paciente deve apresentar estabilidade cardiovascular e metabólica para garantir que a ausência de resposta respiratória seja genuinamente decorrente da falência do centro respiratório, e não de um colapso circulatório.

  • Pressão Arterial: Pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 100 mmHg ou pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg. O uso de drogas vasoativas para atingir essas metas não é uma contraindicação.
  • Temperatura Corporal: O paciente deve estar em normotermia, com temperatura central > 36,5 °C. A hipotermia pode deprimir a função do SNC.
  • Distúrbios Metabólicos: Quaisquer distúrbios hidroeletrolíticos ou acidobásicos graves que possam interferir na função neurológica devem ser corrigidos.

2. Exclusão da Influência de Drogas Depressoras do SNC

A ausência de sedação ou de outras drogas com efeito depressor no SNC é um pré-requisito absoluto, pois podem abolir o drive respiratório e os reflexos do tronco.

  • Suspensão e Intervalo de Segurança: É mandatório suspender a infusão de sedativos e analgésicos opioides. O tempo de espera deve ser, no mínimo, equivalente a 4 a 5 meias-vidas do fármaco utilizado.
  • Fatores que Modificam o Intervalo: Este intervalo pode ser maior em casos de insuficiência hepática ou renal, uso de hipotermia terapêutica ou suspeita de intoxicação.
  • Confirmação Laboratorial: Em casos de dúvida, a dosagem do nível sérico da medicação pode confirmar que a concentração está abaixo do limiar terapêutico.

Executando o Protocolo do Teste de Apneia: Passo a Passo Detalhado

A execução do teste exige rigor técnico e atenção meticulosa. Conforme a Resolução do CFM nº 2.173/2017, é necessária a realização de apenas um teste de apneia.

Fase 1: Preparação e Otimização

Uma vez confirmados todos os pré-requisitos de estabilidade, a preparação do paciente é iniciada.

  1. Pré-oxigenação: O paciente deve ser ventilado com oxigênio a 100% (FiO2 = 1,0) por pelo menos 10 minutos para criar uma reserva de oxigênio e prevenir a hipoxemia.
  2. Ajuste Ventilatório para Normocapnia: A ventilação é ajustada para atingir uma pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) arterial entre 35 e 45 mmHg. A coleta de uma gasometria arterial basal é fundamental para confirmar este alvo e uma oxigenação adequada (idealmente PaO2 ≥ 200 mmHg). Em pacientes com retenção crônica de CO2 (ex: DPOC), a PaCO2 basal também deve ser normalizada para esta faixa antes do teste.

Fase 2: Execução do Teste

  1. Desconexão Segura: O paciente é desconectado do ventilador mecânico. Para prevenir a hipoxemia, um cateter com fluxo de oxigênio a 6 L/min é inserido no interior do tubo orotraqueal.
  2. Observação Contínua: Durante 10 minutos, a equipe observa atentamente o tórax e o abdômen em busca de qualquer incursão respiratória. A estabilidade hemodinâmica e a oximetria de pulso (SpO2) são monitoradas de forma contínua.
  3. Coleta da Gasometria Final: Ao final dos 10 minutos, uma nova amostra de sangue arterial é coletada.
  4. Reconexão Imediata: Imediatamente após a coleta, o paciente é reconectado ao ventilador mecânico com os parâmetros prévios.

Fase 3: Interpretação e Critérios de Interrupção

O resultado é definido pela combinação da observação clínica e da gasometria final.

  • Teste Positivo (Compatível com Morte Encefálica): O teste é positivo se houver:
    • Ausência total de movimentos respiratórios.
    • PaCO2 ≥ 55 mmHg na gasometria final. Este valor é o limiar estabelecido como um estímulo inquestionavelmente suficiente para disparar a respiração em qualquer centro respiratório viável.
  • Critérios para Interrupção Imediata: O teste deve ser interrompido imediatamente se ocorrer:
    • Observação de qualquer movimento respiratório (o que torna o teste negativo).
    • Hipotensão arterial grave e refratária.
    • Queda da saturação de oxigênio (SpO2) para níveis críticos (ex: < 85%).
    • Surgimento de arritmias cardíacas graves.

Se o teste for interrompido por instabilidade, a gasometria deve ser coletada no momento da interrupção. Se a PaCO2 já estiver ≥ 55 mmHg e não houve movimentos respiratórios, o teste ainda é considerado positivo.

Interpretando Resultados: Confirmação, Inconclusão e Diagnósticos Diferenciais

A correta interpretação do teste é o passo final e decisivo.

  • Teste Positivo (Confirmatório): Ausência de movimentos respiratórios com PaCO₂ final ≥ 55 mmHg.
  • Teste Negativo: Observação de qualquer movimento respiratório efetivo. O diagnóstico de ME é descartado.
  • Teste Inconclusivo (Abortado): O teste é interrompido por instabilidade (hipotensão, hipoxemia, arritmia) antes de se atingir um resultado conclusivo. A equipe deve estabilizar o paciente para uma nova tentativa ou recorrer a um exame complementar.

Diagnósticos Diferenciais e Falsos Confundidores

É crucial que o clínico saiba diferenciar o teste de apneia de outros procedimentos e fenômenos.

1. Teste de Apneia vs. Teste de Respiração Espontânea (TRE) Embora ambos envolvam a desconexão do ventilador, seus objetivos são opostos:

  • TRE: Avalia se um paciente em recuperação tem drive respiratório suficiente para o desmame da ventilação mecânica.
  • Teste de Apneia: Prova a ausência irreversível do drive respiratório como parte do protocolo de morte encefálica.

2. Respiração Agônica A respiração agônica é caracterizada por inspirações curtas e ineficazes ("gasps"). Embora seja um sinal de disfunção cerebral gravíssima, a presença de qualquer movimento respiratório, mesmo que agônico, durante o teste de apneia, torna o resultado negativo. O critério diagnóstico é a apneia absoluta durante o desafio hipercápnico.


Dominar o protocolo do teste de apneia é uma competência essencial na medicina intensiva, representando a intersecção entre o rigor técnico, o conhecimento fisiopatológico profundo e uma imensa responsabilidade ética. A execução segura e precisa deste procedimento não apenas garante a validade do diagnóstico de morte encefálica, mas também honra o cuidado ao paciente e o amparo à sua família em um momento de extrema vulnerabilidade. Este guia buscou fornecer um caminho claro e seguro para essa prática.

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