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Análise Profunda

Dor Torácica na Emergência: Guia Completo de Avaliação, Diagnóstico e Conduta

Por ResumeAi Concursos
Cavidade torácica com vias de diagnóstico para dor torácica, destacando coração, pulmões e aorta.

Do aperto no peito que anuncia um infarto à dor em pontada de uma costocondrite, a dor torácica é o desafio diário e de alto risco da emergência. Para o profissional na linha de frente, cada caso é um quebra-cabeça contra o relógio, onde a capacidade de diferenciar uma condição fatal de uma benigna define desfechos. Este guia foi elaborado não como um mero protocolo, mas como um mapa mental para a sua prática. Nosso objetivo é transformar a incerteza em um plano de ação estruturado, capacitando você a realizar uma anamnese poderosa, a reconhecer os padrões de risco nos exames essenciais e a estratificar cada paciente com a segurança e a precisão que a situação exige.

O Ponto de Partida: Anamnese Estruturada e Classificação da Dor

Na corrida contra o tempo que define a emergência, a anamnese é a ferramenta diagnóstica mais poderosa à disposição do médico. Uma história clínica bem coletada é o pilar que sustenta toda a investigação, permitindo diferenciar rapidamente condições de alto risco daquelas benignas. A chave está em uma abordagem focada em decifrar a "linguagem" da dor.

Para classificar a dor torácica e estimar a probabilidade pré-teste de uma causa isquêmica, a anamnese deve se concentrar em três eixos principais:

  1. Localização e Tipo da Dor: Onde dói e como é a dor?
  2. Irradiação e Sintomas Associados: A dor se espalha? Há outros sinais?
  3. Fatores de Piora e Melhora: O que desencadeia a dor e o que a alivia?

Desvendando as Características da Dor Isquêmica

A dor de origem isquêmica, classicamente associada à Síndrome Coronariana Aguda (SCA), possui características distintas. Trata-se de uma dor visceral, muitas vezes mal definida, que o paciente tem dificuldade em apontar com um único dedo.

  • Localização: Tipicamente é sentida na região retroesternal, precordial ou epigástrica.
  • Tipo (Qualidade): A descrição clássica não é de uma "pontada", mas sim de um aperto, opressão, peso ou queimação.
  • Irradiação: Pode se espalhar para os ombros, mandíbula, pescoço, face interna dos braços ou região interescapular.
  • Fatores Desencadeantes: Frequentemente surge durante ou após esforço físico, estresse emocional ou refeições copiosas.
  • Fatores de Alívio: Caracteristicamente, melhora com o repouso ou com o uso de nitratos sublinguais.

Classificação da Dor: Do Típico ao Não Anginoso

Com base na presença dessas características, podemos classificar a dor torácica para estratificar o risco do paciente. Uma das classificações mais úteis divide a dor com base no número de características anginosas típicas (dor retroesternal em aperto/pressão, desencadeada por esforço/estresse e aliviada por repouso/nitrato):

  • Tipo A (Definitivamente Anginosa / Típica): Apresenta as três características. A probabilidade de DAC é alta.
  • Tipo B (Provavelmente Anginosa / Atípica): Apresenta duas das características. A probabilidade de DAC é intermediária.
  • Tipo C (Provavelmente Não Anginosa): Apresenta apenas uma característica. A probabilidade de DAC é baixa.
  • Tipo D (Definitivamente Não Anginosa): Não apresenta nenhuma das características. A probabilidade de DAC é muito baixa.

Essa classificação inicial é fundamental, pois estabelece a probabilidade pré-teste de uma SCA e orienta a urgência da investigação que se seguirá.

Protocolo na Sala de Emergência: Abordagem Inicial e Exames Essenciais

A chegada de um paciente com dor torácica dispara um protocolo de ação imediata, fundamentado na anamnese dirigida e em dois exames cruciais.

  1. O Eletrocardiograma (ECG) de 12 Derivações: Este é o primeiro e mais importante exame. As diretrizes são claras: o ECG deve ser obtido e interpretado em até 10 minutos da chegada do paciente.

    • Um supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) é um diagnóstico que não permite espera. A terapia de reperfusão deve ser iniciada imediatamente, sem aguardar o resultado dos marcadores de necrose miocárdica.
    • Um ECG inicial normal não exclui SCA. A realização de ECGs seriados é fundamental na persistência dos sintomas ou em pacientes de alto risco.
  2. Marcadores de Necrose Miocárdica (Troponina de Alta Sensibilidade): A dosagem de biomarcadores cardíacos é a peça-chave para o diagnóstico de Infarto Agudo do Miocárdio Sem Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMSSST). A troponina de alta sensibilidade (hs-cTn) é o padrão-ouro atual.

    • Importância da Curva Enzimática: Um único valor de troponina tem valor limitado. O diagnóstico de um evento agudo se baseia na detecção de uma elevação e/ou queda ("delta") dos seus valores em medições seriadas (protocolos de 0h-1h ou 0h-3h).
    • Interpretação Cautelosa: A troponina é um marcador de injúria miocárdica, não exclusivo de SCA. Níveis elevados podem ocorrer em condições como miocardite, TEP ou sepse. O contexto clínico, associado ao ECG e à dinâmica da troponina, é o que define o diagnóstico.

A integração desses pilares em protocolos de dor torácica, frequentemente aplicados em unidades especializadas (Chest Pain Units), permite uma estratificação de risco eficiente e segura.

Diagnósticos Diferenciais Iminentes: Identificando as Causas Fatais

Diante de um paciente com dor torácica, a prioridade absoluta é descartar as condições que representam um risco iminente de morte. A anamnese e o exame físico direcionados são as ferramentas mais poderosas nesta fase.

1. Dissecção Aguda de Aorta (DAA)

  • Dor: Súbita, de intensidade máxima desde o início, lancinante ou "rasgando", com irradiação clássica para a região dorsal interescapular.
  • Achados Clínicos: Hipertensão severa, assimetria de pulsos ou diferença de pressão arterial (>20 mmHg) entre os braços, novo sopro de insuficiência aórtica ou déficits neurológicos focais.

2. Tromboembolismo Pulmonar (TEP)

  • Dor: Súbita e de caráter pleurítico, ou seja, piora com a inspiração profunda ou tosse.
  • Sintomas Associados: Dispneia súbita é o sintoma mais comum. Taquicardia, taquipneia e hipoxemia são achados frequentes. Em casos maciços, pode haver síncope e choque.

3. Pericardite Aguda com Tamponamento Cardíaco

  • Dor: Aguda, "em pontada", retroesternal, ventilatório-dependente e, crucialmente, postural. Piora ao deitar e melhora ao sentar e inclinar o tronco para a frente (posição de prece maometana).
  • Sinais de Tamponamento: Procure pela Tríade de Beck: hipotensão arterial, estase de jugular e abafamento das bulhas cardíacas.

4. Pneumotórax Hipertensivo

  • Dor: Súbita, aguda, unilateral e ventilatório-dependente.
  • Achados Clínicos: O diagnóstico é primariamente clínico. Os sinais cardinais são dispneia severa, murmúrio vesicular abolido no hemitórax afetado, desvio da traqueia para o lado contralateral, turgência jugular e choque.

Além do Coração: Explorando Causas Não Cardíacas Comuns

Após a exclusão das emergências fatais, a investigação se volta para causas prevalentes e menos graves.

  • Causas Gastrointestinais: A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma das mais comuns, manifestando-se como queimação retroesternal. Espasmos esofágicos podem causar dor opressiva intensa, simulando um infarto.
  • Causas Musculoesqueléticas: A costocondrite é um exemplo clássico. A dor é tipicamente aguda, localizada e, crucialmente, reproduzível à palpação dos pontos específicos, um forte indicativo de origem não cardíaca.
  • Causas Pulmonares: A dor de origem pulmonar ou pleural, como na pneumonia, classicamente apresenta uma característica pleurítica (piora com inspiração profunda ou tosse) e vem acompanhada de febre e outros sinais infecciosos.
  • Causas Psicogênicas (Transtorno de Pânico e Ansiedade): Este é um diagnóstico de exclusão. A dor é frequentemente vaga e acompanhada por palpitações, dispneia, sudorese e uma sensação de morte iminente, sem relação com esforço físico.

Manejo em Populações Específicas e Apresentações Atípicas

A dor torácica nem sempre segue o roteiro clássico. Manter um alto índice de suspeita, mesmo na ausência de sintomas de livro-didático, é a pedra angular de um diagnóstico seguro.

Mulheres, Idosos e Diabéticos: O Espectro Atípico

Nestes grupos, a dor torácica isquêmica pode ser sutil ou ausente. A apresentação pode ser dominada por equivalentes isquêmicos:

  • Mulheres: Fadiga intensa, dispneia, dor dorsal, náuseas e vômitos.
  • Idosos, Diabéticos e Renais Crônicos: Dispneia súbita, síncope, confusão mental aguda (delirium) ou fraqueza generalizada.

Nesses cenários, a probabilidade pré-teste de SCA pode ser alta apesar da apresentação atípica, e o princípio da curva de troponina torna-se ainda mais crucial para o diagnóstico.

Pacientes Jovens: Um Diagnóstico Diferencial Diferente

Em pacientes jovens sem fatores de risco, a probabilidade de SCA é baixa. A pericardite aguda deve ser fortemente considerada, especialmente se houver elevação de troponina. O ECG clássico com supradesnivelamento difuso do ST e infradesnivelamento do PR é altamente sugestivo.

Estratificação de Risco e Conduta Final: Decidindo os Próximos Passos

Após a avaliação inicial, o passo final é sintetizar as informações para estratificar o risco do paciente e definir a conduta. A abordagem moderna se apoia na avaliação integrada dos pilares que já discutimos: as características da dor, a probabilidade pré-teste e os achados dos exames iniciais. Para objetivar essa avaliação, utilizamos escores como o HEART.

O Escore HEART: Uma Ferramenta para Decisão

O escore HEART atribui pontos (0, 1 ou 2) a cinco componentes, cujo acrônimo forma o nome do escore:

  • History (História clínica)
  • ECG (Eletrocardiograma)
  • Age (Idade)
  • Risk factors (Fatores de Risco)
  • Troponin (Troponina)

Com base na pontuação total, os pacientes são classificados em categorias de risco para eventos cardíacos adversos maiores (MACE), o que direciona a conduta.

Definindo a Conduta com Base no Risco

  • Baixo Risco (HEART 0-3): Risco de MACE muito baixo (< 2%). Estes pacientes são candidatos à alta segura diretamente do serviço de emergência, com possível orientação para acompanhamento ambulatorial.
  • Risco Intermediário (HEART 4-6): Risco de MACE moderado (12-17%). Este grupo se beneficia da observação em uma Unidade de Dor Torácica (UDT), com monitorização, ECGs seriados e nova dosagem de troponina. Se a investigação permanecer negativa, um teste provocativo de isquemia pode ser realizado antes da alta.
  • Alto Risco (HEART ≥ 7): Risco de MACE elevado (50-65%). A conduta é a internação hospitalar, preferencialmente em unidade coronariana, para manejo de SCA e, na maioria dos casos, indicação de estratégia invasiva precoce (cateterismo cardíaco).

Dominar a abordagem da dor torácica é transformar a incerteza em um plano de ação estruturado. Ao integrar uma anamnese detalhada, a interpretação correta do ECG e das troponinas, o reconhecimento dos diferenciais críticos e a aplicação de escores de risco como o HEART, você garante segurança ao identificar e tratar agressivamente os pacientes de alto risco, ao mesmo tempo que otimiza recursos e evita internações desnecessárias para aqueles com baixa probabilidade de um evento agudo.

Agora que você navegou por este guia completo, é hora de colocar seu conhecimento à prova. Preparamos algumas Questões Desafio para solidificar os conceitos e testar sua capacidade de decisão rápida. Vamos lá?