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Estudo Detalhado

Manejo de Hemorragias Agudas: Guia Completo da Estabilização à Angioembolização

Por ResumeAi Concursos
Angioembolização de artéria: cateter libera molas embólicas para estancar uma hemorragia aguda.

No campo de batalha da emergência, a hemorragia aguda é um adversário implacável, onde cada segundo conta. O sucesso no controle de um sangramento grave não depende de uma única arma, mas de um arsenal coordenado e de uma estratégia impecável. Este guia foi concebido para ser o seu manual tático, desvendando o algoritmo moderno de tratamento que conecta a ressuscitação na sala de trauma às sofisticadas técnicas de hemostasia endoscópica e à precisão da radiologia intervencionista. Nosso objetivo é claro: capacitar você, profissional de saúde, a navegar por este cenário complexo com a confiança e o conhecimento necessários para salvar vidas.

A Corrida Contra o Tempo: Estabilização Hemodinâmica como Pilar do Tratamento

Diante de um sangramento agudo, o relógio começa a correr. Cada minuto é decisivo, e a primeira e mais inviolável regra do manejo é garantir a sobrevivência do paciente antes de identificar e tratar a causa definitiva. Este princípio se materializa na estabilização hemodinâmica, o alicerce sobre o qual todas as intervenções subsequentes — sejam elas endoscópicas, farmacológicas ou radiológicas — serão construídas. Sem uma base sólida, o risco de falha terapêutica e mortalidade dispara.

A abordagem inicial, especialmente em cenários de Hemorragia Digestiva Alta (HDA) ou Baixa (HDB), foca em reverter o choque hipovolêmico e garantir a perfusão adequada dos tecidos.

Identificando a Instabilidade

O primeiro passo é reconhecer os sinais de alerta. Um paciente é considerado hemodinamicamente instável quando apresenta:

  • Taquicardia: Frequência cardíaca (FC) acima de 100 batimentos por minuto (bpm).
  • Hipotensão: Pressão arterial sistólica (PAS) abaixo de 90-100 mmHg.
  • Hipotensão Postural: Queda significativa da pressão ou tontura quando o paciente tenta se levantar.

Esses sinais indicam que o corpo já não consegue compensar a perda de volume sanguíneo, comprometendo a oxigenação de órgãos vitais.

O Protocolo de Ressuscitação Volêmica

A restauração da volemia é a prioridade absoluta. O manejo segue uma sequência lógica e agressiva:

  1. Acesso Venoso e Monitorização: A primeira medida é a obtenção de, no mínimo, dois acessos venosos periféricos de grosso calibre. A monitorização contínua dos sinais vitais (pressão arterial, frequência cardíaca, oximetria de pulso) é mandatória.

  2. Reposição com Cristaloides: A ressuscitação volêmica inicia-se com a infusão rápida de soluções cristaloides (como soro fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato). O objetivo é restaurar a perfusão tecidual, mirando em metas claras:

    • Manter a Pressão Arterial Sistólica (PAS) acima de 90 mmHg.
    • Manter a Frequência Cardíaca (FC) abaixo de 100 bpm.
  3. Transfusão Sanguínea Estratégica: A transfusão de concentrado de hemácias não é indiscriminada e segue uma estratégia restritiva para a maioria dos pacientes. A indicação clássica é para níveis de hemoglobina (Hb) abaixo de 7 g/dL. Em pacientes com comorbidades cardiovasculares significativas, o limiar pode ser mais liberal, visando uma Hb acima de 8 g/dL.

  4. Proteção de Vias Aéreas: Em casos de hematêmese maciça ou rebaixamento do nível de consciência (escala de coma de Glasgow < 8), a intubação orotraqueal deve ser considerada precocemente para prevenir aspiração pulmonar e garantir a ventilação adequada.

Paralelamente, exames laboratoriais essenciais são coletados, incluindo hemograma completo, coagulograma, função renal e tipagem sanguínea com prova cruzada. A estabilização hemodinâmica não é apenas um passo preliminar; é a manobra que compra o tempo necessário para que as terapias definitivas possam ser realizadas com segurança e eficácia.

Primeiras Linhas de Defesa: O Papel da Hemostasia Endoscópica

Uma vez que o paciente está hemodinamicamente estável, a prioridade se volta para o controle direto da fonte do sangramento. Neste cenário, a hemostasia endoscópica surge como a modalidade de tratamento inicial e a principal ferramenta na linha de frente, permitindo intervir de forma minimamente invasiva e precisa diretamente no vaso sangrante.

Através de um endoscópio, o médico consegue visualizar a lesão e aplicar uma variedade de técnicas para estancar a hemorragia. O arsenal terapêutico é robusto e pode ser dividido em três categorias principais:

  • Terapia Injetora (Escleroterapia): Consiste na injeção de substâncias como a adrenalina diluída na área ao redor do vaso para causar vasoconstrição e edema local, reduzindo o fluxo sanguíneo e facilitando a aplicação de um segundo método definitivo.

  • Terapia Térmica (Cauterização): Utiliza energia térmica para coagular o tecido e selar o vaso sangrante. Métodos como a cauterização com probe bipolar ou o plasma de argônio aplicam calor controlado diretamente sobre o ponto de sangramento.

  • Terapia Mecânica: Promove o colapso físico e definitivo do vaso. O método mais comum é a aplicação de hemoclipes metálicos, que funcionam como pequenos grampos. Para sangramentos específicos, como os de varizes esofágicas, a ligadura elástica é a técnica de escolha.

A Regra de Ouro: O Poder da Terapia Combinada

Para lesões de alto risco, como úlceras com sangramento ativo ou vaso visível, a evidência é clara: a monoterapia não é suficiente. A prática padrão-ouro é a terapia combinada, que consiste na associação de, no mínimo, dois métodos hemostáticos distintos, como a injeção de adrenalina seguida por um método térmico ou mecânico. Estudos demonstram que essa abordagem dupla é significativamente mais eficaz para reduzir as taxas de ressangramento.

E se a Hemostasia Endoscópica Falhar?

Apesar da alta eficácia, pode haver falha no controle inicial ou ressangramento. Nesses casos, a primeira medida é, geralmente, repetir a endoscopia para uma nova tentativa de hemostasia. Se o sangramento persistir, o manejo escala para terapias de resgate, como a angioembolização por radiologia intervencionista ou, em último caso, a intervenção cirúrgica.

Angioembolização: A Revolução Minimamente Invasiva no Controle Hemorrágico

No arsenal terapêutico contra hemorragias agudas, a angioembolização surge como um dos avanços mais significativos. Esta técnica, executada por radiologistas intervencionistas, representa uma fusão entre diagnóstico de alta precisão e tratamento minimamente invasivo.

O procedimento baseia-se em duas etapas:

  1. Arteriografia Diagnóstica: Um cateter fino é navegado sob orientação de raios-X até o sistema vascular que irriga a área suspeita. A injeção de contraste revela o ponto exato da hemorragia.
  2. Embolização Terapêutica: Pelo mesmo cateter, são entregues agentes embolizantes — como micropartículas ou molas metálicas (coils) — que ocluem o vaso sangrante, interrompendo a hemorragia de forma seletiva e preservando o tecido saudável adjacente.

A aplicação desta técnica é vasta, mas ela se tornou um pilar fundamental no trauma de órgãos sólidos e como terapia de resgate na hemorragia digestiva, quando o tratamento endoscópico falha.

Aplicações em Órgãos Sólidos: Angioembolização no Trauma Hepático e Esplênico

No cenário do trauma abdominal fechado, o fígado e o baço são frequentemente os protagonistas. A angioembolização transformou o paradigma de tratamento, mas sua indicação depende de um critério fundamental: a estabilidade hemodinâmica do paciente.

O Papel Crucial no Trauma Esplênico

A embolização da artéria esplênica (EAE) é essencial no manejo não operatório (MNO) de lesões esplênicas em pacientes estáveis, especialmente em lesões de grau III ou superior com evidência de sangramento arterial na tomografia (o chamado "blush" arterial) ou presença de pseudoaneurisma.

É fundamental, no entanto, traçar uma linha clara: a estabilidade hemodinâmica é o divisor de águas. Um paciente com trauma esplênico e instabilidade persistente tem indicação de cirurgia de emergência (esplenectomia). A transferência de um paciente instável para a sala de angiografia é inadequada e perigosa.

Precisão e Eficácia no Trauma Hepático

Assim como no baço, a embolização da artéria hepática é um complemento valioso ao tratamento conservador em lesões de alto grau com sangramento ativo em pacientes estáveis. Com taxas de sucesso que podem chegar a 93%, a técnica é a conduta de eleição para controlar a hemorragia de forma precisa, preservando o máximo de parênquima hepático funcional. A mesma lógica se aplica ao trauma renal, onde a embolização seletiva pode evitar nefrectomias.

Manejo de Cenários Complexos: Hemobilia e Hemorragia Pélvica

Certas hemorragias exigem uma abordagem singular, onde a angioembolização se destaca.

Hemobilia: O Sangramento Oculto no Trato Biliar

A hemobilia é a hemorragia dentro das vias biliares, frequentemente de origem iatrogênica. O padrão-ouro atual para diagnóstico e tratamento é a arteriografia seletiva com angioembolização, que controla o sangramento em 80% a 100% dos casos, evitando cirurgias de alta morbidade. Em casos de obstrução por coágulos, uma CPRE pode ser necessária para drenagem.

Hemorragia Pélvica: Controlando o Caos no Trauma

A fratura de pelve é uma lesão letal devido à hemorragia, que pode ser venosa (mais comum) ou arterial. O manejo inicial foca na estabilização mecânica com um cinturão pélvico (pelvic binder) e na ressuscitação hemostática. Se o paciente permanece instável, a suspeita de sangramento arterial ativo se torna prioritária. Neste ponto, a angioembolização é a terapia de escolha, permitindo a identificação e oclusão precisa do vaso lesionado sem a necessidade de uma cirurgia aberta complexa.

O Algoritmo Integrado: Cirurgia, Imagem e Intervenção

O manejo eficaz de uma hemorragia aguda reside na integração sinérgica de múltiplas modalidades, orquestradas por uma equipe multidisciplinar.

  1. Estabilização e Controle de Danos: Em pacientes com instabilidade severa no trauma, a prioridade é a Cirurgia de Controle de Danos (CCD). Técnicas como o empacotamento abdominal são manobras de salvamento para controlar a hemorragia maciça e a "tríade letal" (acidose, hipotermia e coagulopatia).

  2. Diagnóstico por Imagem: Para o paciente que atinge estabilidade, a angiotomografia computadorizada (angio-TC) é a ferramenta de escolha. É mais rápida, menos invasiva e possui altíssima sensibilidade para detectar o extravasamento de contraste ("blush"), fornecendo um "mapa" preciso para planejar a próxima etapa. A arteriografia por cateter mantém seu papel, mas primariamente como uma ferramenta terapêutica, reservada para quando uma intervenção endovascular já está indicada.

  3. Intervenção Direcionada: Com o local do sangramento identificado, a angioembolização permite o tratamento direcionado, como na embolização da artéria brônquica para hemoptise, um procedimento altamente eficaz. É crucial distinguir a embolização (para parar sangramento) de procedimentos como a embolectomia (remoção de coágulo em oclusão arterial) ou a endarterectomia (remoção de placa de ateroma).

O sucesso no manejo de hemorragias agudas é o resultado de uma colaboração impecável entre emergencistas, cirurgiões e radiologistas intervencionistas.


O manejo da hemorragia aguda evoluiu de uma série de intervenções isoladas para um algoritmo integrado e dinâmico. A jornada, como vimos, começa com a estabilização hemodinâmica — o alicerce que compra tempo precioso. Segue-se pela precisão da hemostasia endoscópica e culmina na sofisticação da angioembolização, uma ferramenta revolucionária para sangramentos complexos e refratários. A mensagem central é inequívoca: o sucesso reside na escolha da modalidade certa, no momento certo, orquestrada por uma equipe multidisciplinar coesa. Dominar este fluxo não é apenas uma habilidade técnica, é a essência do cuidado ao paciente crítico.

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